Inaplicabilidade da prescrição intercorrente em processos administrativos ambientais em Minas Gerais

Leia nesta página:

O surgimento e a exigibilidade de direitos são temas amplamente discutidos no ordenamento jurídico brasileiro. Da mesma forma, igual relevância assiste o debate acerca da extinção da pretensão de exigir o cumprimento dos direitos – cujo aprofundamento permite compreender as limitações do Estado na imposição de penalidades a partir de critérios temporais, principalmente.

O instituto jurídico que trata da extinção da pretensão de exigência de um direito violado é a prescrição, matéria definida no artigo 189, do Código Civil. Embora o conceito de prescrição tenha origem no direito privado, o referido instituto jurídico é aplicável em diversos ramos do direito público, inclusive, em matéria ambiental.

Nesse sentido, o Decreto Federal nº 6.514/2008, que dispõe sobre as infrações e sanções administrativas no processo administrativo ambiental federal, prevê não apenas a prescrição da pretensão punitiva, como também a prescrição intercorrente em processos administrativos ambientais. Significa dizer que o referido decreto trata de limitações temporais para a exigibilidade do direito – sob pena de permitir ao Estado a penalização de ações que, pelo transcurso dos anos, tenham suas consequências superadas, e perdido o caráter pedagógico da pena.

De acordo com o artigo 21, do Decreto Federal nº 6.514/20081, a ação da Administração Pública visando apurar a prática de infrações ambientais prescreve em 05 (cinco) anos, a contar da constatação do fato. Em outros termos, o agente fiscalizador possui o período de 05 (cinco) anos, a partir da constatação de possível infração ambiental, para iniciar o processo administrativo ambiental em âmbito federal.

Por outro lado, após instaurado o processo administrativo ambiental, haverá prescrição intercorrente do processo de apuração do auto de infração quando este estiver paralisado, pendente de julgamento ou despacho, por mais de 03 (três) anos, com fulcro no parágrafo 2º, do artigo 21 do Decreto Federal nº 6.514/20082. Isto é, caso o Estado se torne demasiado moroso, ao ponto de se tornar inerte, em afronta à celeridade e eficiência, perderá o direito de exigir o direito em questão.

Complementarmente, o artigo 22, II, do Decreto Federal nº 6.514/2008, esclarece que a prescrição será interrompida por qualquer ato inequívoco da administração que importe apuração do fato. Logo, depreende-se que a incidência da prescrição está condicionada à inércia da Administração Pública.

Embora a legislação ambiental federal seja clara ao tratar do assunto, os estados e municípios também possuem competência para legislar sobre meio ambiente, conforme preconiza o artigo 24, VI, da Constituição Federal3. Isso, em razão da atribuição concorrente para a matéria ambiental – que visa integrar todos os entes federados no circuito legislativo de proteção ao equilíbrio ecológico.

No estado de Minas Gerais, a legislação que trata do processo administrativo para apuração de infrações ambientais é o Decreto Estadual 47.383/20184, que, por sua vez, é silente no que tange ao instituto da prescrição. Por esta razão, tornou-se comum a utilização de pareceres da Advocacia Geral do Estado para preenchimento das lacunas legislativas em sede decisória.

A manifestação mais recente da Advocacia Geral do Estado de Minas Gerais sobre o tema é o Parecer 15.047/2010, publicado em 24 de setembro de 20105. Neste parecer, restou delineado que “em se tratando de auto de infração do qual já conste a aplicação da penalidade de multa, se o autuado apresentar defesa, inicia-se o procedimento administrativo, durante o curso do qual não corre a decadência nem a prescrição”. Do mesmo modo, afastou-se expressamente a incidência das previsões do Decreto Federal n. 6.514/2008 no âmbito estadual.

Diante disso, torna-se importante a seguinte reflexão: há razoabilidade na inaplicabilidade da prescrição intercorrente em processos administrativos ambientais no estado de Minas Gerais? E mais ainda, seria parecer jurídico emitido pelo Estado suficiente para alterar disposição de lei federal que, em regra, deve ter sua aplicabilidade observada quando da omissão da legislação estadual?

Importa asseverar que os prazos concedidos ao autuado são expressos e preclusivos. O artigo 58, do Decreto Estadual 47.383/2018, estabelece que o autuado poderá apresentar Defesa Administrativa no prazo de 20 (vinte) dias. Em caso de indeferimento da defesa, o artigo 66, do Decreto Estadual 47.383/2018, concede o prazo de 30 (trinta) dias para apresentação de Recurso Administrativo. Ademais, o Decreto Estadual 47.383/2018 é claro ao estabelecer que nem a Defesa e nem o Recurso serão conhecidos se interpostos fora do prazo.

Assim, a inflexibilidade normativa com os deveres do Defendente/Recorrente, de um lado, e, de outro, possibilidade de que a Administração Pública passe anos, quiçá décadas, sem movimentar um processo administrativo para apuração de infrações ambientais, sem que isso resulte em prescrição, gera questionamentos acerca do balizamento de oportunidades e balanceamento da “equidade processual”. Resta clara a desproporcionalidade entre as prerrogativas do autuado e do autuante, principalmente considerando que a multa aplicada incide desde a data da lavratura do auto de infração, com juros e correção monetária, e sem efeito suspensivo durante a tramitação do processo.

Significa dizer que, em tese, o transcurso do tempo sem incidência da prescrição intercorrente pode gerar o enriquecimento ilícito do Estado por meio do acúmulo de juros, em razão da inércia processual sem motivação. Ao mesmo tempo, o autuado pode ser sobrecarregado com o aumento exorbitante da multa em razão da ausência de andamentos de processo para o qual teve que mobilizar recursos financeiros e de pessoal, com o objetivo de atender os prazos que lhe são impostos. Por interpretação livre, pode-se dizer que a incidência de juros ao longo dos anos, sem aplicação da prescrição intercorrente, pode configurar dupla penalidade ao autuado – onerado por suposta infração ambiental e pela inércia da Administração Pública.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Ademais, também é de se questionar a sobreposição de entendimento de parecer jurídico da AGE a lei federal que é expressa ao tratar da questão. Caso fosse a realidade a omissão integral das normas acerca da questão, nas esferas federal e estadual, talvez se entendesse válido o socorro interpretativo. Todavia, com a clareza do Decreto Federal nº 6.514/2008, não restam dúvidas acerca da necessária aplicabilidade subsidiária da norma federal em face da omissão do Estado de Minas Gerais.

Saliente-se que, diante da ausência de incidência da prescrição intercorrente nos processos administrativos ambientais, outros direitos dos litigantes são frontalmente violados, como a razoável duração do processo, que é uma garantia expressamente prevista no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal6.

É cediço que a omissão do legislador estadual confere maior liberdade para a interpretação e tratamento processual, contudo, não há que se falar em razoabilidade diante da ausência de imposição de prazos para análise processual pela Administração Pública. É necessário observar as limitações temporais a que a Administração está vinculada e, em observância à legalidade, a aplicação da norma geral quando da omissão dos demais entes federados para tratar da questão.


  1. BRASIL. Decreto Federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008. Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 22 de julho de 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6514.htm. Acesso em: 26 fev. 2024.

  2. BRASIL. Decreto Federal nº 6.514, de 22 de julho de 2008. Dispõe sobre as infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração destas infrações, e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, 22 de julho de 2008. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/decreto/d6514.htm. Acesso em: 26 fev. 2024.

  3. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 fev. 2024.

  4. MINAS GERAIS. Decreto nº 47.383, de 02/03/2018. Estabelece normas para licenciamento ambiental, tipifica e classifica infrações às normas de proteção ao meio ambiente e aos recursos hídricos e estabelece procedimentos administrativos de fiscalização e aplicação das penalidades. Diário Oficial do Estado. Belo Horizonte, 02 de março de 2018. Disponível em: https://www.almg.gov.br/legislacao-mineira/texto/DEC/47383/2018/?cons=1. Acesso em: 26 fev. 2024.

  5. MINAS GERAIS. Parecer 15.047. Procurador: Nilza Aparecida Ramos Nogueira. 24 set. 2010. Disponível em: https://advocaciageral.mg.gov.br/legislacao/parecer-15-047-aprovado-pelo-advogado-geral-de-24-09-2010/. Acesso em: 26 fev. 2024.

  6. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, 5 de outubro de 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 26 fev. 2024.

Sobre os autores
Pedro Henrique Moreira da Silva

PAdvogado e professor de Direito Ambiental e Indigenista. Doutorando em Administração pela PUC-Minas, com pesquisa na área de conflitos ambientais. Mestre em Direito Ambiental e Desenvolvimento Sustentável. Pós-graduado em Direito Constitucional e Valoração do Dano Ambiental. 

Rafaela Hidalgo Gonçalez Franco de Carvalho Miranda

Advogada de Direito Ambiental. Pós-graduanda em Direito Ambiental, Urbanístico e Minerário pela PUC-Minas. 

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos