A "irresponsabilidade" dos fornecedores por delivery e o desprezo pela dignidade dos entregadores

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A "irresponsabilidade" dos fornecedores por delivery é a irresponsabilidade social, a ausência de sustentabilidade.

Os fornecedores por delivery gostam de ganhar pelo resultado de seus esforços, contudo, negligenciam pormenores, importantíssimos, para a relação contratual entre os fornecedores e os consumidores.

Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a palavra "trabalho" deve estar atelhada à palavra "digno", ou seja, “trabalho produtivo para mulheres e homens em condições de liberdade, equidade, segurança e dignidade humana”.

Infelizmente ocorrem truculências de consumidores aos entregadores. A maioria dos entregadores são "empreendedores", "autônomos". Tais termos escondem uma nova modalidade de relação de trabalho. No auge da pandemia por Covid-19 foi sancionada a LEI Nº 14.297, DE 05 DE JANEIRO DE 2022. Houve uma proteção para os entregadores (Art. 3º A empresa de aplicativo de entrega deve contratar seguro contra acidentes, sem franquia, em benefício do entregador nela cadastrado, exclusivamente para acidentes ocorridos durante o período de retirada e entrega de produtos e serviços, devendo cobrir, obrigatoriamente, acidentes pessoais, invalidez permanente ou temporária e morte), mas temporária (Art. 1º Esta Lei dispõe sobre medidas de proteção asseguradas ao entregador que presta serviço por intermédio de empresa de aplicativo de entrega durante a vigência, no território nacional, da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus responsável pela covid-19).

Há debates, tanto por parte dos fornecedores, entregadores e dos Estados sobre às condições de trabalho dos entregadores por aplicativo. Empregado ou autônomo? Eis a questão. Para ser empregado é necessário "subordinação", enquanto autônomo é "livre" para decidir. Na questão de "liberdade", de escolha, é uma ficção, já que é impossível que os entregadores se encontram impossibilitados de dizerem quanto querem, realmente, ganhar. Não possuem em mãos, os entregadores, o poder do capital. Não é difícil pensar nisso. O exemplo dos EUA, na segunda metade do século XIX. Prosperidade, expansão, conquistas, melhorias na qualidade de vida, enfim, "O Sonho Americano". John D. Rockefeller; Andrew Carnegie; J.P. Morgan; Cornelius Vanderbilt. Seres humanos geniais que monopolizaram, respectivamente, petróleo, aço, instituições bancárias, transportes.

O "antiliberdade", o Srº Theodore Roosevelt, ex-presidente dos EUA, foi contra os monopólios criados pelos empresários. Roosevelt não via com bons olhos os monopólios, pois estes ofereciam perigo para a democracia em relação à economia. No entanto, Roosevelt não estava sozinho quanto ao monopólio. Muito antes dele, Adam Smith era contra os monopólios:

"No caso de uma empresa ou consórcio que amarra ou limita, por contrato ou convenção, a produção de qualquer mercadoria para evitar a concorrência de empresários independentes, é fácil perceber que, embora o preço do produto nunca seja maior do que o que poderia ser naturalmente, ele deve, no entanto, sempre ser muito maior do que o que seria, se a concorrência fosse permitida. A oferta natural de todos os tipos de mercadorias deve necessariamente ser mais ou menos proporcional à demanda efetiva. Se o mercado for livre e cada indivíduo puder negociar livremente, se desejar, os diferentes preços dos diferentes produtos devem normalmente ser exatamente proporcional à quantidade de trabalho e despesa que suas diferentes produções consomem proporcionando-os, e não devem, em qualquer caso, exceder a quantidade de trabalho e despesa. " (A Riqueza das Nações - Adam Smith)

No Brasil, a democracia, na área econômica, tem proteção do Estado, por exemplo:

LEI Nº 8.137, DE 27 DE DEZEMBRO DE 1990

Art. 4° Constitui crime contra a ordem econômica:

II - formar acordo, convênio, ajuste ou aliança entre ofertantes, visando: (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

a) à fixação artificial de preços ou quantidades vendidas ou produzidas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

b) ao controle regionalizado do mercado por empresa ou grupo de empresas; (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

c) ao controle, em detrimento da concorrência, de rede de distribuição ou de fornecedores. (Redação dada pela Lei nº 12.529, de 2011).

Dumping, o que é?

Dumping, de uma forma geral, é a comercialização de produtos a preços abaixo do custo de produção. Por que alguém faria isso? Basicamente para eliminar a concorrência e conquistar uma fatia maior de mercado. A definição oficial desse termo, que ao pé da letra significa liquidação, está no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt, das iniciais em inglês), documento que regula as relações comerciais internacionais.

A rigor, o dumping diz respeito às vendas ao exterior, mas ele também pode acontecer no mercado interno. Os dumpings ocorrem, normalmente, em duas situações. A primeira é quando determinado setor recebe subsídios governamentais e, por isso, consegue exportar seus produtos abaixo do custo de produção. Um exemplo bastante conhecido são os subsídios concedidos aos agricultores da Europa e dos Estados Unidos, que frequentemente prejudicam as vendas brasileiras ao exterior. A segunda situação é quando alguma empresa decide, como estratégia, arcar com o prejuízo das vendas a preços baixos para prejudicar, ou até mesmo eliminar, algum concorrente.

o Brasil, houve suspeita de que grandes cadeias estrangeiras de supermercado praticaram dumping para tirar do mercado estabelecimentos menores. Os casos de dumping no comércio internacional são resolvidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC), que condena severamente essa prática. As ocorrências dentro de um do país devem ser resolvidas por alguma instância de defesa da concorrência.

No Brasil, esse órgão é o Cade. (Fonte: IPEA)

Em 2020, a BBC BRASIL publicou matéria Como apps de entrega estão levando pequenos restaurantes à falência? 

Na visão da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), a prática indica dumping — quando um fornecedor põe à venda um produto a um preço muito inferior ao do mercado. "O delivery é um ponto chave para a competitividade dos restaurantes, cada vez mais os clientes buscam conveniência", diz Célio Salles, membro do conselho de administração nacional da Abrasel. "Mas o aplicativo não pode praticar subsídio na venda dos produtos, o que acaba deturpando o equilíbrio do mercado", afirma.

(...)

Na opinião do especialista em direito digital Renato Opice Blum, do Opice Blum, Bruno, Abrusio & Vainzof Advogados, a prática pode configurar abuso de poder econômico, caso seja comprovado que o aplicativo vem prejudicando a operação dos restaurantes. "Quando o propósito do investimento é eliminar pequenos parceiros, há concorrência desleal e dumping", diz o advogado, professor do Insper, onde coordena os cursos de proteção de dados e direito digital.

A BBC BRASIL divulgou elucidativas matérias sobre os aplicativos e os entregadores, uma dela é Dormir na rua e pedalar 12 horas por dia: a rotina dos entregadores de aplicativos.

Os debates não ocorrem somente no Brasil sobre aplicativos e entregadores, se há ou não "vínculo empregatício". Na Itália e na Espanha, o reconhecimento de vínculo empregatício entre aplicativos e entregadores. 

"Novos tempos". Quando se fala em "novo" faz pensar que antes tudo era ruim, péssimo. Enquanto as empresas usam de massiva publicidade, e influências no meio político (lobby), as concentrações de riquezas ficam em poder de poucos. Essa é um debate acirrado há muito tempo sobre concentração de riquezas, nas mãos de pouquíssimos e a esmagadora fila de desesperados por dignidade, desde habitação própria até segurança alimentar. Alguns usam da teoria de O Evangelho da Riqueza, de Andrew Carnegie (1835-1919) como sendo uma verdade cósmica. No final do século XIX, a filantropia era uma panaceia entre os ricos. A tese era que os ricos possuem um certo conhecimento e expertise que os qualificam para tomar decisões sobre o que é bom para os pobres. Atualmente, tal tese é antidemocrática, pois nega a autonomia dos não ricos, como se os não ricos não tivessem capacidades de determinarem e gerirem suas próprias vidas.

Empresários podem criar empresas, associarem empresas etc., enquanto os trabalhadores não podem criar sindicatos. Deste o século XIX os super-ricos (lobby) atuam, diuturnamente, no Congresso, para influenciarem seus interesses pessoais. No Brasil, as ideias de neoliberalismo tomaram conta do cenário político e até entre os próprios empregados e "empreendedores". o administrativista Mello já delineava:

"(...) o neocolonialismo encontra ambiente muito propício para medrar em nosso meio cultural e, pois, no seio do direito administrativo brasileiro, por termos, ainda, uma mentalidade acentuadamente marcada pela subserviência ideológica, típica do subdesenvolvimento de país que persiste pagando um pesado tributo ao colonialismo." (Celso Antônio Bandeira de Mello)

A frase acima é do artigo Quem deve opinar, o lobby ou os administrados? Proposta de emenda à constituição visa regulamentar o lobby.

John Locke concebeu o direito de propriedade. Também pensou nos pobres. O excedente da produção deveria ser distribuído para os pobres. Tal concepção tem base no pensamento de Locke sobre posse. Deus criou tudo, ele é o Dono. Os seres humanos apenas aproveitam o que Deus criou. Logo, o excedente não deve ser negado aos necessitados. Vemos um justiça distributiva. Aristóteles também pensava na condição da pobreza. Todos podem ter o quanto quiserem, desde que ninguém fique sem nada. Um rio dentro de um terreno, uma vila próxima. Os moradores desta vila não podem morrer de fome. A fome leva a desestabilização social.

Alguns dos principais pontos em que Aristóteles discute a ajuda aos necessitados são:

  • Livro II, Capítulo 5: Aristóteles define a miséria como a falta de bens necessários para viver de forma decente e a considera um problema sério que afeta a estabilidade da sociedade. Ele também menciona a caridade como uma forma de ajudar os pobres e necessitados.

  • Livro II, Capítulo 7: Aristóteles discute a importância da educação para evitar a pobreza. Ele argumenta que a educação permite que os cidadãos aprendam um ofício e contribuam para a sociedade.

  • Livro VI, Capítulo 5: Aristóteles fala sobre o papel do Estado na luta contra a pobreza. Ele defende a ideia de que o Estado deve fornecer assistência pública aos necessitados, como alimentos, roupas e abrigo.

  • Livro VI, Capítulo 8: Aristóteles discute a importância da justiça social na prevenção da pobreza. Ele argumenta que a sociedade deve ser justa e garantir que todos os cidadãos tenham oportunidades de prosperar.

Com a Primeira Revolução Industrial, no século XVIII, a burguesia tomou o poder, que antes era somente dos reis. Das ideias iluministas de "liberdade", a única liberdade é existir até o limite imposto pelo Estado, ou seja, a aparente "liberdade" diz respeito aos direitos civis e políticos, sem os racismo que foram aplicados até o século XX em forma de escravidão, xenofobia etc. Contudo, a tal da "liberdade" existe enquanto o ser humano for dotado de atributos de "condição para a liberdade". Como os monopólios criam barreiras, políticas e legislativas, ao mesmo tempo que proteges os monopólios, pouca concorrência existe na atualidade. A marca de televisão que vovó gostava não é mais da empresa que a construiu, pode ser de outra empresa, mas que usa a "famosa marca". Sem saber, das fusões, incorporações etc., os consumidores compram como se tais marcas fossem dos fornecedores fabricantes originais. A fidelidade está contaminada, eivada de ludibrio. O consumidor pode pensar que sua fidelidade está na marca, isto é, no fabricante original, mas não está. E o consumidor tem o direito de saber da verdade. Da ciência, os consumidores podem agir, desde ajuda financeiras até campanhas em prol da existência da empresa que criou o televisor. Mesmo diante da liberdade empresarial, de fazer fusões etc., existe a preferência e a credibilidade dos consumidores. Certo apego emocional. Por exemplo, o Caso dos Amendoins. O consumidor tem amostra de amendoins; são crocantes, salgadinhos. Da compra, outro tipo de amendoim, muito diferente da amostra. Sem sal, ou salgadíssimo; não crocante. Houve uma expectativa do consumidor, acreditou que o amendoim colido, como amostra, seria o mesmo, ou similar, ao que comprou. Também pode ser assim com os consumidores na relação marca e fabricante original. Se existe a boa-fé, no sentido de saber realmente, por parte do consumidor, as empresas devem noticiar fusões etc. 

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Vamos, agora, sobre entrega por delivery. Não há informações prévias sobre entrega, se o entregador subirá ou não escadas, já que tem residências com escadas, se entregará na porta do apartamento. Mesmo que existam tais informações, estas informações não estão disponíveis imediatamente aos consumidores sejam no momento do contrato ou nos aplicativos e sites. Há um percurso extenso para os consumidores terem informações sobre entregas. Perde-se tempo para tentar encontrar tais informações. Poderia ser perda produtiva do consumidor ao procurar por informações quase escondidas ou com fontes pequenas?

Teve um fato, infelizmente, de brutalidade, de verdadeiro descaso com a vida do entregador. O consumidor desferiu projétil de arma de fogo — e mais armas nas mãos dos cidadãos de bem.

Entregador é baleado por PM que se recusou a buscar pedido na portaria na Zona Oeste do Rio

Roy fez um pedido no Porto do Sabor da Praça Saiqui, em Vila Valqueire, e Nilton foi atender de bicicleta. No portão do endereço, uma rua gradeada, o PM exigiu que o entregador levasse o lanche até a casa. Nilton explicou que não era obrigado a entrar, e os dois começaram a discutir por mensagens no aplicativo.

Diante da recusa do PM em encontrá-lo, Nilton acionou o protocolo de devolução na plataforma e voltou para a loja. Roy, no entanto, o seguiu.

Na Praça Saiqui, os dois começaram uma discussão, e Nilton passou a gravar o episódio.

“Tá metendo a mão na cintura por quê?”, perguntou Roy. “Tô armado não, filho. Sou trabalhador, filho”, respondeu Nilton. (Fonte: G1)

Não sei quem realmente está certo, já que o policial se justificou por legitima defesa. Quando me referi "bons cidadãos", deve-se ao lobby das armas de fogo nas mãos de todos os cidadãos, como se todos pudessem ter arma — e as condições emocionais, ideológicas?

Pois bem. "(...) exigiu que o entregador levasse o lanche até a casa. Nilton explicou que não era obrigado a entrar". Claro que ninguém é obrigado a nada [art. 5º, II da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988)], desde que o Estado de Direito não obrigue. Ninguém pode se negar de pagar Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) ou Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR). Há uma obrigação para todos os brasileiros (erga omnes). no caso de o entregador subir ou não, a necessidade de prévia informação ao consumidor. Há omissão dessa informação. Há um hábito cultural de ter o produto entregue na residência do (a) consumidor (a). A entrega ocorria na porta da residência do consumidor (a). Quando digo "na porta", na porta de entrada. No caso dos apartamentos, nas portas dos apartamentos. Tal prática foi modificada, pela violência, pela mudança de responsabilidade social. Pelos aplicativos, os consumidores não podem ir diretamente reclamar com os programadores, que criar os algoritmos, muito menos com os fornecedores. Se antes tinha o "olho no olhos", existe agora intermináveis opções de escolha para preencher campos digitais para as reclamações dos consumidores insatisfeitos. Mudou algo do analógico para o digital?

Habilmente, má-fé, no sentido de inescrupulosidade, os fornecedores prometem o paraíso, mas não falam do que vem depois. O Direito não vacila diante das mudanças e tramoias dos fornecedores — alguns, claro. Para garantir a manutenção da dignidade dos (as) consumidores (as), a teoria do desvio produtivo (1). O vídeo acima nos dá ideia da perda de tempo do consumidor para sanar o seu problema. Quando se fala em "acesso à Justiça", a concepção de "direito de pleitear a tutela jurisdicional do Estado". Assim, a norma do art. 5º, XXXV, “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Se distância do fundamento da democracia, de ter nas relações humanas a preservação e aplicação da dignidade humana. Sabiamente, muitos fornecedores conhecem a escassez de tempo dos consumidores para exigirem o restabelecimento de suas dignidades, quando violadas na relação contratual. Também têm ciência do desconhecimento de muitos consumidores sobre os "direitos dos consumidores".

Sem informações prévias, de o (a) entregador (a) entregar na porta do consumidor, isto é, subir até o apartamento do consumidor, os fornecedores deixam os (as) entregadores (as) aos possíveis acontecimentos. É notório o aumento de contendas entre os (as) consumidores (as) e os (as) entregadores (as). Há responsabilidade dos fornecedores quando os (as) consumidores (as) e os (as) entregadores (as) se ferem por questões de "subir ou não"? Sim, pois houve omissão de informação relevante antes do fechamento do contrato. É possível, no momento do contrato, antes de fechá-lo, a informação de entregar ou não na porta do apartamento do consumidor. No momento de cadastro do fornecedor na plataforma de aplicativo, aquele informa sobre a entrega: na porta do edifício ou na porta do apartamento. Exime-se de responsabilidade a plataforma digital e assume, inteiramente, a responsabilidade do fornecedor cadastrado. Não há tais informações, ambos os fornecedores, a plataforma digital e o fornecedor de produtos, são responsáveis pela omissão de informação relevante ao consumidor.

AMPARO LEGAL

1) CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

(...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

II - função social da propriedade;

IV - livre concorrência;

V - defesa do consumidor;

2) LEI Nº 8.078, DE 11 DE SETEMBRO DE 1990

Art. 1° O presente código estabelece normas de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social, nos termos dos arts. 5°, inciso XXXII, 170, inciso V, da Constituição Federal e art. 48 de suas Disposições Transitórias.

Art. 2° Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;

II - ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumido.

Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (Redação dada pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994)

IV - prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços

Art. 46. Os contratos que regulam as relações de consumo não obrigarão os consumidores, se não lhes for dada a oportunidade de tomar conhecimento prévio de seu conteúdo, ou se os respectivos instrumentos forem redigidos de modo a dificultar a compreensão de seu sentido e alcance.

Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

(...)

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1° É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

(...)

§ 3° Para os efeitos deste código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço.

3) LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

LEGISLAÇÃO SOBRE ENTREGA

Nalguns Estados foram sancionadas leis sobre entrega:

1) Paraíba

LEI Nº 12.939 DE 04 DE DEZEMBRO DE 2023.

AUTORIA: DEPUTADO WILSON FILHO

O GOVERNADOR DO ESTADO DA PARAÍBA

Faço saber que o Poder Legislativo decreta e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1º Ficam estabelecidas as seguintes medidas de proteção aos entregadores de aplicativos e segurança dos usuários, que residem em condomínios verticais no Estado da Paraíba.

Art. 2º É proibido ao consumidor exigir que o entregador de aplicativo suba até a porta do apartamento, que adentre nos espaços de uso comum de condomínios verticais, devendo a encomenda, caso tenha sido paga, ser entregue na portaria do condomínio.

Art. 3º Fica estabelecido que as plataformas de delivery vão notificar, de maneira fixa e explicitamente pelo aplicativo, sobre a não exigência de subida por parte dos entregadores, com o intuito de orientar e esclarecer aos consumidores.

Parágrafo único. Os consumidores que desejarem a subida do entregador até sua porta deverão solicitar tal feito ao entregador mediante gorjeta. E somente se o entregador aceitar a gorjeta, ele estará obrigado a subir.

Art. 4º Em caso dos consumidores com mobilidade reduzida ou necessidades especiais, poderá ainda o entregador optar se adentra ou não ao condomínio para entregar o produto, e em caso negativo, deverá o condomínio providenciar funcionário próprio para realizar a referida entrega.

Art. 5º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

PALÁCIO DO GOVERNO DO ESTADO DA PARAÍBA, em João Pessoa, 04 de dezembro de 2023; 135º da Proclamação da República.

2) LEI Nº 11.381, DE 20 DE JULHO DE 2023.

Dispõe sobre entregas de encomendas por trabalhadores de aplicativo em condomínios.

FAÇO SABER QUE A CÂMARA MUNICIPAL DE FORTALEZA APROVOU E EU SANCIONO A SEGUINTE LEI:

Art. 1º - Ficam estabelecidas as seguintes medidas de proteção aos trabalhadores de aplicativos de entrega e de segurança dos usuários que residem em condomínios horizontais e verticais.

Art. 2º - É proibido ao consumidor exigir que o trabalhador de aplicativo adentre nos espaços de uso comum de condomínios verticais e horizontais, devendo a encomenda ser entregue na portaria.

Art. 3º - Os consumidores com mobilidade reduzida ou necessidades especiais poderão solicitar a entrega nas áreas internas do condomínio, sem cobrança de qualquer valor adicional, resguarda as regras internas de segurança do condomínio.

Art. 4º - VETADO.

Art. 5º - Esta Lei entrará em vigor na data da sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

PAÇO DA PREFEITURA MUNICIPAL DE FORTALEZA, em 20 de julho de 2023.

José Élcio Batista

PREFEITO DE FORTALEZA 

Aqui faço objeções.

As mulheres cisgênero ganham bem menos do que os homens cisgênero. A etnia negra percebe bem menos do que os brasileiros não de etnia negra. Os idosos, em geral, mal ganham para comprarem seus remédios, pagarem suas dívidas. O próprio CDC reconhece o superendividamento:

Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios: (Redação dada pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995)

(...)

X - prevenção e tratamento do superendividamento como forma de evitar a exclusão social do consumidor. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

Art. 5° Para a execução da Política Nacional das Relações de Consumo, contará o poder público com os seguintes instrumentos, entre outros:

VI - instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial e judicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa natural; (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

VII - instituição de núcleos de conciliação e mediação de conflitos oriundos de superendividamento. (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

Temos o neoliberalismo, de tal forma, que se isentam os fornecedores de responsabilidade social (bem-estar econômico, social e ambiental) e busquem tão somente os lucros. Se temos monopólios, se cada vez mais as concentrações de riquezas ficam em mãos de pouquíssimos seres humanos, se as relações de trabalho cada vez mais retornam para os padrões dos século XIX e XX, muito pior ficará, pois neste século temos a robotização, a automação e a inteligência artificial. Se anteriormente à robotização e à automação causavam desempregos "braçais", os empregos "intelectuais" também sofrerão consequências desastrosas. Essas são preocupações presentes e que os Estados não podem negligenciar.

Certamente, os entregadores são seres humanos. Cansam, são expostos às intempéries. Têm capas para chuva? A primeira pergunta. Recebem pelo que entregam, suas economias são diretamente afetadas pelas suas resistências físicas para fazerem entregas. Tudo fica nas mãos dos entregadores: capas para chuva; manutenções de seus veículos motorizados ou não; plano de saúde ou assistência de saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 

Pretéritas relações de trabalho — horas e mais horas para trabalhar e ter como e quando pagar pelas dívidas, condições de periculosidade, objetificação da dignidade por um modelo de pensamento valorativo do individualismo etc. — com novos termos linguísticos. 

Termino. Algum avanço teve no Brasil, o projeto que regula atividade de motoristas de aplicativo. O Estado brasileiro, pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB de 1988) , em relação ao desenvolvimento nacional e a manutenção da dignidade dos trabalhadores, deve proteger os (as) trabalhadores (as). Poucas empresas se importam com a dignidade dos (as) trabalhadores (a). Seja empreendedor de si mesmo. Ora, o (a) "empreendedor (a)" é ser vivo, necessita de locais apropriados para suas necessidades fisiológicas. Está com a bexiga cheia, vai esvaziá-la nalgum local do logradouro público? E higiene da cidade? E para defecar? Temos que para de fugir da realidade fisiológica. Se o poder público não disponibiliza banheiros públicos, os (as) entregadores (as) terão que fazer suas necessidades fisiológicas em estabelecimentos privados, de preferência nos devidos locais. E alguns cobram para o uso do bainheiro, quando não há consumo. Na questão do uso de banheiro, a contenta ideológica sobre homens e mulheres trans quanto ao tipo de banheiro, para homens ou para mulher. No artigo A democracia no banheiro explanei sobre a importância de tal tema para a democracia brasileira. Tal artigo, sobre banheiro e democracia, também serve para este artigo, pois impossível pensar na pessoa humana com o direito de fazer suas necessidades fisiológicas em locais adequados. Os gastos dos (as) entregadores (as) vão desde alimentação até idas ao banheiro, quando há cobrança por parte do estabelecimento privado. Mais uma vez, a BBC BRASIL divulgou matéria importantíssima sobre aplicativos: Dormir na rua e pedalar 12 horas por dia: a rotina dos entregadores de aplicativos

O IFood, aqui parabenizo pela responsabilidade social, construiu e disponibilizou o chamado "ponto de apoio" para entregadores (as):

"Enquanto estão fazendo o delivery, os entregadores e as entregadoras podem fazer uma parada estratégica no ponto de apoio do iFood para descansar.

Existem pontos de apoio que são espaços próprios do iFood —e disponibilizam banheiro, tomada para recarregar o celular, micro-ondas, geladeira e áreas de descanso. E há também os pontos de apoio do iFood Pedal, disponibilizados em parceria com a Tembici.

 Além desses, tem também os pontos de apoio oferecidos em parceria com os restaurantes, onde os entregadores podem ir ao banheiro e beber água."

Quanto ao título deste artigo, A "irresponsabilidade" dos fornecedores por delivery e o desprezo pela dignidade dos entregadores, ratifico que as empresas de aplicativos devem disponibilizar aos consumidores campo visível, de rápida visualização, e também como inclusão social a transcrição de texto para voz, de o fornecedor de produto entregar ou não na porta do apartamento do consumidor, ou subir degraus quando a casa é no sobrado. Compreendo o momento atual da violência por roubos e as preocupações dos legisladores quanto à segurança dos consumidores. Porém, não pode servir de justificativa, diante da realidade brasileira de milhões de brasileiros que sobrevivem no limite de suas dignidades e no abismo da miserabilidade, para o próprio Estado de Direito, em defesa do consumidor, ser instrumentalizado para tão somente a economia. Direito sem Justiça é a violação da dignidade humana.

Por derradeiro. Uma senhora de 80 anos de idade necessita de entrega de medicamento para a sua pressão, que é alta. Por esquecimento, o pedido é feito nos últimos horários de funcionamento das farmácias em sua região. O pedido foi feito, a senhora desconhece informações sobre legislação, de entregador (a) não subir até o seu apartamento, também não há prévia informação no aplicativo, ou poderia ser por contato direito com o fornecedor "voz a voz", se entregador (a) subirá ou não até a porta de seu apartamento. Não são todos os prédios com porteiros 24 horas por dia. Ansiosa pelo medicamento, tenta se controlar para não ter elevação de sua pressão. O interfone toca. 

— É o entregador! Tem alguém para descer e pegar o remédio?

— Não! Por favor, suba até o meu apartamento. Sou idosa. O prédio não tem elevador.

— Infelizmente, não posso subir. A senhora tem que descer. Senão retornarei.

A senhora não tem o seu medicamento em mãos. Infelizmente, pelo fato, de não entrega do medicamento, e o aumento da pressão arterial, o fator emocional colaborou, ela sofre Acidente Vascular Cerebral (AVC). Há responsabilidade civil para o fornecedor (farmácia)? É necessário o nexo causal. O fato é a omissão de informação relevante à consumidora, o subir ou não até o apartamento da consumidora — da informação prévia, de subir ou não, a senhora entraria em contato com outras farmácias — e o não subir pelo entregador e o seu retorno com o medicamento até a farmácia. A consequência foi o AVC. Há nexo causal.

LEI Nº 10.406, DE 10 DE JANEIRO DE 2002

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

REFERÊNCIA:

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (STJ) . A teoria do desvio produtivo: inovação na jurisprudência do STJ em respeito ao tempo do consumidor. Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26062022-A-teoria-do-desvio-produt...

Sobre o autor
Sérgio Henrique da Silva Pereira

Articulista/colunista nos sites: Academia Brasileira de Direito (ABDIR), Âmbito Jurídico, Conteúdo Jurídico, Editora JC, Governet Editora [Revista Governet – A Revista do Administrador Público], JusBrasil, JusNavigandi, JurisWay, Portal Educação, Revista do Portal Jurídico Investidura. Participação na Rádio Justiça. Podcast SHSPJORNAL

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