Abandono afetivo e o direito à reparação indenizatória

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É sabido que a família é a base da sociedade e possui especial proteção estatal, vinculando-se à dignidade da pessoa humana e à responsabilidade familiar.

Quanto aos filhos, têm eles o direito de convívio com os pais ou responsáveis, e para isso, existem normas que impõem aos pais os preceitos da convivência familiar digna visando sempre a proteção da figura do filho.

A Constituição da República, no artigo 227, assenta que: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n.º 8.069/1990) traz no artigo 4º o seguinte: É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Omisso o poder familiar, consequentemente viola-se os direitos fundamentais da criança, razão pela qual a lei pune com a suspensão ou a extinção do referido poder.

É o que diz o artigo 5º do ECA: Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

E o artigo 1.638 do Código Civil:

Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:

I - castigar imoderadamente o filho;

II - deixar o filho em abandono;

III - praticar atos contrários à moral e aos bons costumes;

IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.

V - entregar de forma irregular o filho a terceiros para fins de adoção.

Parágrafo único. Perderá também por ato judicial o poder familiar aquele que:

I – praticar contra outrem igualmente titular do mesmo poder familiar:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão;

II – praticar contra filho, filha ou outro descendente:

a) homicídio, feminicídio ou lesão corporal de natureza grave ou seguida de morte, quando se tratar de crime doloso envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher;

b) estupro, estupro de vulnerável ou outro crime contra a dignidade sexual sujeito à pena de reclusão.

O abandono de um filho é uma situação lastimável e pode possuir reflexos na vida adulta de quem sofre a humilhação, o desprezo, as discriminações, as violências e as negligências que o abandono ocasiona. O afeto é importante para constituir a personalidade do indivíduo.

O abandono não precisa ser essencialmente material e sim qualquer forma de desamparo da criança. Nesse prisma, encontra-se o abandono efetivo que pode ser caracterizado pela ausência de afeto, omissão, falta de apoio moral, social e psicológico, discriminação, desprezo, dentre outros atos que deploráveis.

Um pai não é obrigado a amar o seu filho, mas a legislação assegura o direito do infante de ser cuidado. A atenção e o cuidado é uma responsabilidade do pai e o seu descumprimento gera o dever de reparar o dano moral sofrido pela criança ou pelo adolescente.

O Enunciado 08 do IBDFAM diz: “O abandono afetivo pode gerar direito à reparação pelo dano causado”.

O STJ, em 2022, condenou um pai ao pagamento de indenização por abandono afetivo da filha, condenando-o a pagar 30 mil reais pelos danos ocasionados pelo abandono familiar quando a criança tinha 6 anos de idade. A Ministra Nancy Andrighi assentou que a parentalidade irresponsável causou traumas e prejuízos emocionais e podem ser quantificados como qualquer espécie de reparação moral indenizável.

Diversos outros tribunais possuem decisões sobre indenização por abandono efetivo, inclusive com a retirada do sobrenome paterno. O TJDFT recentemente condenou um pai a indenizar a filha por abandono afetivo e destacou que “amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil”.

Muito distante do que alguns pais pensam, não basta apenas pagar uma pensão alimentícia. O abandono afetivo gera a obrigação de indenizar pela ausência do convívio.

As ações indenizatórias por abandono afetivo que chegam no Judiciário têm o condão de amparar a vítima pelo dano sofrido decorrente da omissão familiar porque gera danos no desenvolvimento da criança e do adolescente, não podendo ser confundido com obrigação de amar ou indenizar a falta de amor.

Assim, cada caso que chega ao judiciário deve ser analisado individualmente, cabendo aos tribunais lembrarem os pais das suas obrigações através de punições indenizatórias pela falta de afeto aos filhos.

Sobre o autor
Marcelo Bacchi Corrêa da Costa

Advogado com 23 anos de experiência. Atua na cidade de Campo Grande/MS e região. Pós graduado em Direito Público e em Ciências Penais.

Informações sobre o texto

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