O impacto negativo no desenvolvimento psíquico e emocional de crianças e adolescentes - A prática de alienação parental.

24/04/2024 às 17:04
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Na história da humanidade, milhões de vidas foram ceifadas vítimas da ausência da ciência. Ainda hoje, vidas inocentes são perdidas para a ignorância, para a miséria, para a covardia e para a resistência.

Resistência à mudança, ao novo, ao chamamento à contemporaneidade (Paulino, 2008).

Antes do final do século XIX, os mosquitos eram considerados meros causadores de incômodo. Após a descoberta de que a malária era transmitida pelo mosquito Anophelessp, governos de todo o mundo empenharam-se para erradicar esses insetos vetores, drenando pântanos e pulverizando, com inseticidas, as áreas infestadas. Atualmente a malária ainda mata milhões de pessoas, principalmente na África.

No caso da febre amarela, as primeiras suspeitas de que uma espécie de mosquito pudesse transmiti-la, ocorreram no final do século XIX. Carlos Juan Finlay, em Cuba, praticamente descobriu que o mosquito era responsável pelo flagelo, muito antes do agente viral ser conhecido. Lamentavelmente seu trabalho não foi suficiente para convencer a comunidade científica, atrasando o estudo da doença (Finlay, 1981).

Carlos Finlay foi considerado pelos cubanos como um velho teórico louco. Seus trabalhos foram facilmente contestados, não tinham rigor científico, foram conduzidos em área endêmica.

No Rio de Janeiro, médicos e outros associavam a epidemia de febre amarela de 1.850 ao tráfico de escravos. Os africanos tinham os sintomas da doença com menor severidade, ao contrário dos europeus. D. Pedro II e a imperatriz perderam seu filhinho de um ano e meio (Franco, 1976).

No final de 1849 o andor de São Benedito (santo negro) não foi levado à procissão, deixaram-o na sacristia. Na estação chuvosa do ano posterior surgiu a primeira grande epidemia de febre amarela na cidade. As beatas concluíram que o flagelo era vingança do santo ofendido (Chalhoub, 2004).

Milhões de seres humanos, desde os egípcios, faleceram de arteriosclerose, uma disfunção que bloqueia as artérias (Parry, 1799). Anichkov e Chalatov, dois jovens militares russos descobriram em 1913 que o colesterol era efetivamente um dos principais fatores para o surgimento desta doença (Anichkov e Chalatov,1913),

A importante descoberta foi negligenciada pela comunidade científica por cerca de quatro décadas. No ano de 1958, descobriu-se que o stress emocional podia influenciar no nível sanguíneo de colesterol. Ainda hoje, com todo vasto conhecimento nesta área, os humanos morrem com problemas associados à ingestão da lipoproteína de baixa densidade – o mau colesterol (Friedman e Friedland, 2004).

No século XIX o médico húngaro Ignác Semmelweis dissecou inúmeros cadáveres de mulheres mortas em busca de um padrão que explicasse a febre puerperal – infecção devastadora, cruelmente letal para as mães após o parto. Concluiu que os próprios médicos transmitiam a doença para as pacientes, uma vez que não lavavam as mãos e os instrumentos entre as autópsias e os partos efetuados. Fato que abalou a comunidade médica e científica da época.

Semmelweis implementou medidas de higiene no Hospital de Viena e em alguns meses o número de falecimentos caiu significamente. Isso só agravou a acusação que paraiva sobre os médicos. O obstetra Semmelweis foi duramente criticado, internado num hospício em Viena, foi brutalmente espancando e faleceu (Nuland, 2005).

Um dos poucos médicos que suspeitou que Semmelweis estava correto cometeu suicídio ao chegar à conclusão de que tinha causado a morte da própria sobrinha ao fazer seu parto.

As pessoas citadas estavam, sob muitos aspectos, adiante do seu tempo, dedicaram-se com determinação e paixão às causas que abraçaram, trouxeram luz e esperança sobre os problemas, embora incompreendidas. O tempo, contudo, mostrou que elas estavam certas - dores, angústias e mortes poderiam ter sido evitadas.

Nas últimas décadas novos heróis surgiram - sem nervos de ferro ou músculos de aço - lutam pela dignidade das famílias e, acima de tudo, pelo melhor interesse das crianças, embora muitas vezes sejam mal interpretados como foram as pessoas que lutaram no passado. Apenas para citar alguns nomes: Analdino Rodrigues Paulino Neto, Jaqueline Cherulli, Alan Minas, Maria Berenice Dias, Mônica Tucunduva Spera Manfio, Adriana Pattar, Carlos, Mariana Silva Ferreira, Ana Guedes-Pinto, Andreia Calçada, Caetano Lagrasta, Elízio Perez, Eulice Cherulli, Flávio Bastos, Maria Pisano, Maria Valente, Nancy Andrighi, Raquel Pacheco, Régis de Oliveira, Rosana Cipriano, Terezinha Féres-Carneiro, entre tantos outros profissionais e pais.

A ALIENAÇÃO PARENTAL descrita em meados da década de 80, pelo psiquiatra infantil norte-americano Richard Gardner, revela-se como uma situação na qual um genitor procura afastar seu filho ou filha do outro genitor intencionalmente (Gadner, 1985).

É forma de abuso emocional e psíquico que pode causar à criança ou adolescente distúrbios psicológicos, roubando sua infância e adolescência; etapas tão importantes da vida – a infância e a adolescência - são roubadas quando os pais envolvem-se em separações litigiosas introduzindo os filhos no mundo estressante da justiça. Os menores observam tristemente os pais numa disputa insana, na qual, na maioria das vezes, o desrespeito, o medo, a mentira e a insegurança imperam, destruindo os valores morais.

O sofrimento dos filhos não está necessariamente associado à separação do casal, mas sim ao conflito e à privação do convívio com um dos pais. Quando a morte conjugal é confundida com a da vida parental os filhos são cruelmente massacrados (Souza, 2008).

Souza (2008) cita que:

Compete aos pais dirigir a criação e a educação dos filhos menores, circunstância que não se altera com a separação. Assim, na qualidade de titular do poder familiar o não guardião é co-responsável pela formação integral do filho...mesmo depois da separação, a criação dos filhos é peça a ser tocada a quatro mãos. Aqueles que isso se negam ferem a ética das relações de família e fazem por DESMERECER os filhos que têm.

Freitas (2023) comenta que:

Acrescente-se que não somente o guardião pode promover a alienação parental, mas qualquer dos genitores, ou ambos ao mesmo tempo, bem como avós, tios, cuidadores, pode ser todo o grupo familiar, enfim pessoas diretamente envolvidas com a criança ou adolescente.

Processos judiciais onerosos e de longa duração tramitam nas varas de famílias cujos resultados finais não contemplam vencedores, apenas perdedores sendo os menores os maiores prejudicados, uma vez que alguns juízes podem sentenciar a Guarda Monoparental para um dos genitores, que poderá praticar Alienação Parental, comprometendo o sadio desenvolvimento psíquico e emocional dos filhos que necessitam de um amplo convívio materno e convívio paterno.

Silva (2008) comenta que pais alienadores:

São pais instáveis, controladores, ansiosos, agressivos, com traços paranoicos, ou, em muitos casos, de uma estrutura perversa. Referidos sintomas podem ficar parcialmente controlados, durante parte da vida, ou no caso, do casamento, mas em muitos eclode com toda sua negatividade e agressividade ante a separação litigiosa. A perversão pode ser dissimulada em pequenas atuações, que também passa meio despercebido durante o casamento. Mas de fato estavam lá, não é a separação que os instaura, ela apenas os revela.

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A separação conjugal pode gerar na mãe o sentimento de traição, raiva, abandono, rejeição etc. o que poderá conduzir ao desejo de vingança, resultando numa cruzada de destruição da imagem do ex-marido e o impedimento do convívio entre os filhos e o pai (Dias, 2008).

O advogado Marcos Duarte cita que (disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/516/Aliena%C3%A7%C3%A3o+Parental:+a+morte+inventada+por+mentes+perigosas):

A Síndrome da Alienação Parental esconde verdadeiras tragédias familiares onde o amor e o ódio se misturam a um só tempo. O alienador parental é um psicopata sem limites e, o que é pior, socialmente aceito e sem a menor possibilidade de cura clínica. Talvez seja esta a razão de também ser conhecida a SAP como Síndrome de Medéia em alusão à peça escrita por Eurípedes, dramaturgo grego, no ano de 431 antes de Cristo: "Jasão corre para a casa de Medéia a procura de seus filhos, pois ele agora teme pela segurança deles, porém chega tarde demais. Ao chegar em sua antiga casa, Jasão encontra seus filhos mortos, pelas mãos de sua própria mãe, e Medéia já fugindo pelo ar, em um carro guiado por serpentes aladas que foi dado a ela por seu avô o deus Hélios. Não poderia ter havido vingança maior do que tirar do homem sua descendência."

Os mitos podem contribuir para entendermos a realidade social de um povo, seus costumes, seu sistema político e sua economia (Mendes, 2000).

A história, a cultura, os mitos e as lendas auxiliam nossas reflexões a respeito do mundo que nos cerca.

Gonzalez e colaboradores (1994) observaram que nas circunstâncias de separações litigiosas, os filhos normalmente efetivam aliança com o genitor guardião, fenômeno semelhante à Síndrome de Estocolmo, na qual os sequestrados se identificam com seus sequestradores.

Um belo conto infantil retrata a vida de três rosas que sobrevivem num pequeno Planeta chamado Amanda Luane iluminado apenas por uma clara lua rosa. No início dos tempos as três belas flores recebiam sua energia vital de duas importantes estrelas na Constelação Parental. A estrela Medéia sofreu desequilíbrio no núcleo atômico evoluindo, repentinamente, para uma estrela anã negra que eclipsou a luz da estrela Jasão iniciando sobre as frágeis rosas um reinado de trevas e tiranias.

O artigo 227 da Constituição Federal do Brasil diz na sua íntegra: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

O direito à convivência familiar e comunitária! Em “Alice no País das Maravilhas”, a protagonista cai num buraco e emerge num mundo desequilibrado no qual a tirania avança. Incrédula, assustada, confusa e sem acreditar no que observava Alice caminha entre a loucura e a realidade.

Analdino Rodrigues Paulino Neto – Presidente Nacional da ONG APASE na Iª Conferência Internacional “Igualdade Parental Séc. XXI” (22 e 23 de Março de 2012) citou que:

Temos no Brasil 60 milhões de menores, de 0 a 17 anos. Destes 60 milhões de menores, 20 milhões são filhos de pais separados, sendo que 16 milhões sofrem da Alienação Parental em algum grau. Apenas 4  milhões passam ilesos pelas separações litigiosas....O judiciário é moroso e está tendo dificuldades em aplicar a Lei da Alienação Parental, assim como a Lei da Guarda Compartilhada, mas, cada vez mais os alienadores estão sendo punidos pela lei, inclusive com inversão da guarda. Esta prática está se tornando comum no judiciário mais contemporâneo no Brasil. O judiciário comprometido com as leis está dando finais de semanas alternados com dias alternados no meio da semana, normalmente com o pai pegando os filhos na escola após as aulas nas terças e quintas e devolvendo de manhã, na escola, anterior às aulas, nas quartas e sextas.

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Groeninga (2023) psicanalista e doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito (FD) da Universidade de São Paulo:

Analisa a aplicação da lei atual como positiva no geral, sobretudo na sensibilização da importância do exercício de ambos os genitores na vida da criança ou do adolescente.

  Pinho (2010) cita artigo "Os filhos e as separações dos pais" do Juiz de Direito, Dr. Fábio Henrique Prado de Toledo:

Sabemos como leigos e por especialistas que filhos, mormente em tenra idade, da 1ª à 3ª infâncias, se sentem muito mais amados e seguros em notar que os pais se amam a ponto de buscar a reconciliação entre si e por eles, e que tentará ao máximo permanecer eternamente juntos do que com demonstrações isoladas de afeto diretamente para com os próprios filhos, pois, mais que ser verdadeiramente amados, as crianças desejam ardentemente se sentir fruto de um amor, deste amor de pai e mãe. Daí o porquê do verdadeiro caos se instalando com a banalização de separações, mormente inflamadas com conteúdos de Alienação Parental, pois o mal maior é infinito, e, isto sim, refletirá nos filhos. Desentendimentos ocorrem mas deve haver sempre o esforço mútuo e constante, lidando sempre juntos com a situação, nunca separados, nem buscando culpa e culpados. Erramos e aprendemos com os erros e a tomada de consciência promove aproximação, elevação, crescimento. É importante que não se procure por culpa nem culpados, e, sim, descobrir, mais do que travar uma batalha, juntos, com determinação, e recuperar o trecho perdido, por vocês, e mais, ainda pelos filhos, pois, por eles o nosso esforço deve ser eterno, ...deve ser infinito. Verdadeira prova de amor, de pai, e de mãe.

Bibliografia

Anichkov N e Chalatov S. Ueber experimentelle Cholestesterinsteatose – Ihre Bedeutung für die Enstehung einiger pathologischer Proessen, Centrablatt für Allfemeine Pathologie und Pathologische Anatomie 1 (1913): 1.

Chalhoub S. Cidade febril: cortiços e epidemias na corte imperial. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.

Dias MB. Síndrome de Alienação Parental. O que é isso? In: Paulino ARN - APASE (Organizador). Síndrome de Alienação Parental e a Tirania do Guardião – Aspectos Psicológicos, Sociais e Jurídicos. São Paulo: Editora Equilíbrio; 2008. p. 11).

Duarte M. Alienação Parental: a morte inventada por mentes perigosas. In: In: Instituto Brasileior de Direito da Família (IBDFAM). 2009. Disponível em: https://ibdfam.org.br/artigos/516/Aliena%C3%A7%C3%A3o+Parental:+a+morte+inventada+por+mentes+perigosas. Acesso em 13 abr 2024.

Friedman Me Friedland WG. As Dez Maiores Descobertas da Medicina; tradução de Rubens Siqueira. São Paulo. Companhia das Letras, 2000.

Finlay CJ. El mosquito hipoteticamente considerado como agente de transmisión de la fiebre amarilla. Academia de ciencias de Cuba. Centro de Estudos de Historia y Organización de la Ciencia “Carlos J. Finlay”. Ministerio de Cultura - Editorial Científico - Técnico, 1981 (100 ãnos del descubrimento de Finlay).

Franco O. História da febre amarela no Brasil. Rio de Janeiro: Departamento Nacional de Endemias Rurais - DNER; 1976.

Freitas MARM. Efeitos da alienação parental na criança – a visão da psicanálise lacaniana. In: Instituto Brasileior de Direito da Família (IBDFAM). 2023. Disponível em: IBDFAM: Efeitos da alienação parental na criança – a visão da psicanálise lacaniana. Acesso em 20 abr 2024

Gardner R. Recent trends in divorce and custody litigationAcademy Forum 1985; 29 (2), 3-7. 

Gonzalez MR. e Col. Percepciones parentales en niños de familias separadas. una nueva version del sindrome de Estocolmo. Anuário de Psicología Jurídica. 1994,4: 25-41.

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Pinho MAG. Prática da Alienação Parental exige mais estudo. Consultor Jurídico. In: Os filhos e as separações dos pais. 2010. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2010-jan-23/coibir-alienacao-parental-preciso-empenho-especialistas/ Acesso em 9 abr 2024

Nuland SB. A Peste dos Médicos- Germes, febre pós-parto e a estranha história de Ignác Semmelweis. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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Paulino ARN. Chamamento à contemporaneidade. In: Paulino ARN - APASE (Organizador). Guarda Compartilhada - Dois lares é melhor que um - Aspectos psicológicos e jurídicos. 2ª ed. São Paulo: Editora Equilíbrio; 2011.

Silva EL, Resende M. A Exclusão de Um Terceiro. In: Paulino ARN - APASE (Organizador). Síndrome de Alienação Parental e a Tirania do Guardião – Aspectos Psicológicos, Sociais e Jurídicos. São Paulo: Editora Equilíbrio; 2008. p. 27.

Souza RPR. A Tirania do Guardião. In: Paulino ARN - APASE (Organizador). Síndrome de Alienação Parental e a Tirania do Guardião – Aspectos Psicológicos, Sociais e Jurídicos. São Paulo: Editora Equilíbrio; 2008. p. 8.

Sobre o autor
Julio Cesar Rosa

Bacharel em Ciências biológicas pela UNG. Mestre e Doutor em Saúde Pública pela USP. Trabalha há 20 anos com crianças/adolescentes e adultos com educação e saúde ambiental.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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