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Direito à morte digna: eutanásia e morte assistida

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7. A OPINIÃO DA IGREJA CATÓLICA

A Igreja Católica, em 1956, posicionou-se de forma contrária a eutanásia por ser contra a "Lei de Deus".

O Papa Pio XII, numa alocução aos médicos, em 1957, aceitou, contudo, a possibilidade de que a vida possa ser encurtada como efeito colateral (e não intencional) da utilização de drogas para diminuir o sofrimento de pacientes com dores insuportáveis. Desta forma, utilizando o princípio do duplo efeito, a intenção é diminuir a dor, porém o efeito colateral do tratamento pode ser a aceleração da morte do paciente.

João Paulo II, em 1980, publicou a Declaração sobre Eutanásia, [20] onde admite o tratamento de duplo efeito e a suspensão ou redução de esforços extraordinários para prolongar a vida de pacientes terminais, notadamente quando o tratamento passa a ser considerado inútil (terapia fútil).

Ressalte-se, ainda, que a Igreja Católica já fixou o entendimento que a determinação do momento da morte é um ato estritamente médico, sendo atribuição da ciência da Medicina definir a partir de que ponto um paciente terminal ainda tem vida, tal como entendemos condizente com a do ser humano.

Assim, a suspensão do tratamento de indivíduo com morte encefálica não é condenado pela Igreja, pois a medicina considera a interrupção irreversível da atividade cerebral como marco para a definição da morte. Assim, o desligamento dos equipamentos não chega sequer a ser considerado eutanásia, pois o paciente já está morto.

Registre-se que no Brasil, a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.480/97 estabelece um procedimento clínico uniforme e seguro para se constatar a morte encefálica.


8. ÉTICA MÉDICA, DIREITO À INFORMAÇÃO, VÍCIO DE CONSENTIMENTO E DOR ALIENANTE

Genival Veloso de França tem posicionamento contrário à eutanásia praticada por médico. Segundo ele:

O médico não pode nem deve, de forma alguma e em nenhuma circunstância, contribuir ativamente para a morte do paciente, pois isso se contrapõe ao seu compromisso profissional e à sua formação moral.

Afirma ele, ainda, que entre a ação e a omissão do profissional existe apenas um vácuo filosófico, mas a intenção do resultado é a mesma. [21]

Por outro lado, indaga até que ponto o médico teria o direito (ou o dever) de manter os meios de sustentação da vida de paciente com morte encefálica, cujas funções cerebrais são irrecuperáveis. [22]

E mesmo se o direito de decidir recaísse sobre os familiares, podem existir, não raras vezes, interesses materiais em jogo, normalmente relacionados com direitos sucessórios, que podem acabar refletindo em decisões contrárias aos reais interesses do paciente.

O mesmo autor aponta para a real possibilidade do doente, em estado gravíssimo e padecendo de fortes dores, conseguir se autodeterminar racionalmente e autorizar a sua própria morte. Neste caso, pode-se falar em autêntico vicio de consentimento.

A dor crônica certamente é um fator alienante, pois reduz as possibilidades de escolha do paciente à zero, conforme ensina Dworkin. Entretanto, Genival Veloso de França lembra que existem diversos tratamentos que podem reduzir as dores, alguns que acarretam, inclusive seqüelas irreversíveis. Em pacientes terminais, as seqüelas ou a dependência química não são muito relevantes, sendo, portanto, uma conseqüência aceitável. Além das drogas analgésicas existe até mesmo o recurso a intervenções cirúrgicas para seccionar nervos responsáveis pelas sensações dolorosas. Todos estes tratamentos podem certamente ser preferíveis à morte do paciente.

Entretanto, a dor ainda é um campo muito pouco conhecido da Medicina, sendo certo que soluções teóricas simplistas nem sempre se aplicam a todos as situações. Em casos em que nenhum esforço terapêutico surte efeito, a eutanásia desponta sempre como uma saída radical e definitiva.

Certamente que a eutanásia não deve ser banalizada. Trata-se de uma providencia extrema, que só deve ser cogitada depois de esgotadas todas as possibilidades terapêuticas acessíveis e seja insuportável a situação de convalescência do paciente.

Ademais, o paciente terminal, se ainda em condições razoáveis de raciocínio, deve ter o direito de ser informado com detalhes da situação de sua doença, das opções de tratamento, das expectativas de melhora, etc. A visão paternalista comumente associada à medicina deve ser afastada nesse momento, pois o paciente só poderá decidir efetivamente sobre o seu destino se tiver pleno conhecimento dos fatos.

Contar toda a verdade ao paciente, por outro lado, pode ser uma providencia funesta na visão da psicologia. Deve-se, no caso, procurar conciliar o direito de informação com os benefícios obtidos pela motivação psicológica do enfermo.

O tema é difícil de ser esgotado. A abordagem, portanto, deve partir de diversos prismas, em uma ambiência multidisciplinar. A morte digna merece ser estudada não apenas sob o enfoque jurídico, mas também sociológico, psicológico, etc.


9. CONCLUSÕES

A eutanásia e a morte assistida são técnicas de por fim a vida de pacientes em estado terminal e que padecem de dores crônicas e insuportáveis.

Estas modalidades de morte digna não são novidades, eram muito praticadas por povos pré-históricos e na antiguidade. Na verdade, remontam ao início da civilização, decorrentes, talvez, do sentimento mútuo de compaixão e solidariedade humana.

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Atualmente, muito se discute sobre a eutanásia, sendo certo que a legislação da maioria dos países civilizados condena tal prática, apesar da mesma ser uma realidade social.

No Brasil a eutanásia é proibida, sendo taxada inclusive como crime. Em outros países, notadamente na Holanda, a prática já é regulada pela lei, sendo utilizada em vários casos, para minimizar o sofrimento de pacientes muito doentes.

Devido aos avanços da medicina, começaram a surgir questionamentos que antes inexistiam, a exemplo do dever moral do médico manter vivo indefinidamente um paciente que se encontra em estado vegetativo, sem a menor condição de recuperação.

Ademais, a legislação penal que trata da eutanásia no Brasil é criticada por estudiosos, sendo taxada como retrógada e descompassada com a realidade social. A descriminalização da eutanásia e a sua regulamentação parecem ser importantes passos a serem seguidos pelo legislador pátrio.


REFERÊNCIAS:

BAIGES, Victor Méndez. Sobre Morir – eutanásias, derechos, razones. Madrid: Editorial Trotta, 2002, p. 51-68.

BRASIL. Senado Federal. Projeto de Lei do Senado nº 125, de 1996. (autoriza a prática da morte sem dor nos casos em que especifica e dá outras providências.)

BIZZATO, José Ildefonso. Eutanásia e responsabilidade médica. 2ª ed. São Paulo: Led Editora, 2000

DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003

FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007

GOLDIM, José Roberto. Bioética e Ética na Ciência. Disponível em: http://www.bioetica.ufrgs.br. Acesso em 03 jun. 2008

GOMES, Luiz Flávio. Eutanásia, morte assistida e ortotanásia: dono da vida, o ser humano é também dono da sua própria morte? Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em 15 jan. 2007

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em defesa da Vida: Aborto – Eutanásia – Pena de Morte – Suicídio – Violência/Linchamento. São Paulo: Saraiva, 1995.

VATICANO. Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração sobre Eutanásia. Cidade do Vaticano: Vaticano, 1980. Disponível em http://www.cin.org/vatcong/euthanas.html. Acesso em 13 jun. 2008.


Notas

  1. Prontuários de Teologia Moral, publicado em 1866, in GOLDIM, José Roberto. Bioética e Ética na Ciência. Disponível em: http://www.bioetica.ufrgs.br. Acesso em 03 jun. 2008
  2. NEUKAMP, F. Zum Problem der Euthanasie. Der Gerichtssaal. 1937; 109:403, in GOLDIM, José Roberto. Ob. Cit.
  3. Cf. GOLDIM, José Roberto. Ob. Cit.
  4. FRANÇA, Genival Veloso de. Direito Médico. 9ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 491.
  5. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Em defesa da Vida: Aborto – Eutanásia – Pena de Morte – Suicídio – Violência/Linchamento. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 42.
  6. FRANÇA, Genival Veloso de. Ob. Cit. p. 491.
  7. BIZZATO, José Ildefonso. Eutanásia e responsabilidade médica. 2ª ed. São Paulo: Led Editora, 2000, p. 16.
  8. BIZZATO, José Ildefonso. Ob. Cit. p. 18.
  9. GOLDIM, José Roberto. Ob. Cit.
  10. As principais obras de Jiménez de Asúa são: Libertad de amar y derecho a morir: ensayos de un criminalista sobre eugenesia y eutanásia.Buenos Aires: Losada, 1942 e Endocrinologia y Derecho penal - Eutanásia y homicídio por compasión. Montevideo: Imprenta Nacional, 1927.
  11. GOLDIM, José Roberto. Ob. Cit.
  12. GOLDIM, José Roberto. Ob. Cit.
  13. DWORKIN, Ronald. Domínio da vida: aborto, eutanásia e liberdades individuais. Trad. Jefferson Luiz Camargo. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 252.
  14. NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Ob. Cit., p. 59.
  15. CENEVIVA, Walter. O direito de desligar as maquinas. Folha de S. Paulo, 21 abr. 1985. in NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Ob. Cit., p. 63.
  16. GOMES, Luiz Flávio. Eutanásia, morte assistida e ortotanásia: dono da vida, o ser humano é também dono da sua própria morte? Disponível em: http://www.lfg.com.br. Acesso em 15 jan. 2007.
  17. GOMES, Luiz Flávio. Ob. Cit.
  18. Id., ibid.
  19. GOMES, Luiz Flávio. Ob. Cit.
  20. VATICANO. Congregação para a Doutrina da Fé. Declaração sobre Eutanásia. Cidade do Vaticano: Vaticano, 1980. Disponível em http://www.cin.org/vatcong/euthanas.html. Acesso em 13 jun. 2008.
  21. FRANÇA, Genival Veloso de. Ob. Cit., p. 499.
  22. Id. Ibid., p. 500.
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Sobre o autor
Marcio Sampaio Mesquita Martins

Procurador Federal, Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará, pesquisador e autor de livros e artigos sobre temas de Direito Administrativo e de Direitos Fundamentais.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MARTINS, Marcio Sampaio Mesquita. Direito à morte digna: eutanásia e morte assistida. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2718, 10 dez. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/18008. Acesso em: 3 mai. 2024.

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