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Os segredos revelados do no-show: o que as companhias aéreas não querem que você saiba.

Os segredos revelados do no-show: o que as companhias aéreas não querem que você saiba.

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O “no-show”, ocorre quando o passageiro com uma reserva confirmada para um voo não aparece para embarcar e não cancela sua reserva, é uma prática majoritariamente refutado pelas empresas aéreas dando a elas o poder de aplicar multas ou até mesmo de cancelar a reserva de retorno do passageiro.

 Caso o passageiro adquira um bilhete aéreo de trechos de ida e volta numa mesma compra, para a empresa aérea esse passageiro deve comparecer aos trechos adquiridos para o embarque sob pena de multas, bem como, não poder realizar o próximo embarque que foi adquirido conjuntamente com o primeiro.

 Se o passageiro optar de não realizar o trajeto todo e por exemplo, se deslocar por outro meio que lhe desejar, a sua passagem de retorno não dever sofrer alteração ou penalidades, com unicamente o motivo de não comparecimento, impedindo-o de embarcar, esse ato é flagrantemente ilegal e abusivo por parte do transportador aéreo.

 Ocorre que o passageiro pode comprar o produto ou serviço e não utiliza desse produto ou serviço, afinal foi pago, se utiliza ou não é uma decisão que cabe tão somente ao passageiro e não incumbe ao fornecedor.

 Nesses casos, como citado alhures é considerado uma prática abusiva das empresas aéreas ofendendo o artigo 39, inciso V do Código de Defesa do Consumidor, a saber:

 

“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: (...) V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (...)”.

 O cancelamento unilateral do embarque do passageiro é uma desvantagem excessiva explicita, conforme redação do artigo supra, a empresa aérea não pode deixar de fornecer seus serviços porque o passageiro não usufruiu de seus serviços prestados no trecho de ida do transporte aéreo.

 Nesse cenário, além da incidência do artigo acima referido, há igualmente a tipificação do artigo 51, inciso IV do mesmo diploma legal, vejamos:

“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: (...) IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade; (...)”.

 

Desta forma é abusiva as cláusulas que obrigam os consumidores a utilizar o serviço, são cláusulas injustas, de má fé, além do enriquecimento sem causa por parte do transportador aéreo, nesse sentido temos a doutrina de Flávio Tartuce que leciona:

 

“A exemplo da previsão do art. 51, inc. IV do CDC, o presente dispositivo veda a lesão objetiva e a onerosidade excessiva, tidas como geradoras de práticas comerciais abusivas. Como razão importante do preceito, cite-se a clássica vedação do enriquecimento sem causa, constante nos arts. 884 e 886 do CC/2002. (...)”. (Tartuce, Flávio; Manual do Direito do Consumidor: direito material r processual, volume único / Flávio Tartuce. Daniel Amorim Assunção Neves – 12. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023, p 464).

 

Nessa mesma trilha está a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que delibera em favor do consumidor relacionada a matéria que aqui descrevemos, de tal modo trazemos o Agravo em Recurso Especial de nº 1447599 RJ 2019/0036617-3:

 

“(...) Por ser uma conduta abusiva, configura ato ilícito causador de danos morais o cancelamento unilateral da passagem de volta, em razão do não comparecimento para embarque no trecho de ida (no-show), porquanto essa prática é rechaçada pelo Código de Defesa do Consumidor. Precedente.”

 

Lado outro, a Resolução 400 da ANAC autoriza as empresas aéreas cancelar o trecho de retorno quando o passageiro não embarca no trecho de ida:

 

“Art. 19. Caso o passageiro não utilize o trecho inicial nas passagens do tipo ida e volta, o transportador poderá cancelar o trecho de volta. (...).”

 

Ocorre que o teor desse artigo da resolução está carreado de ilegalidade, pois, vai de contra o Código de Defesa do Consumidor, que é hierarquicamente superior a resolução, sendo o CDC considerado pela majoritária doutrina e jurisprudência norma de Sobredireito, consistindo numa norma principiológica que prevalece, inclusive acima das leis ordinárias, conforme explica Flávio Tartuce:

 

“(...) pode-se dizer que o Código de Defesa do Consumidor tem eficácia supralegal, ou seja, está em um ponto hierárquico intermediário entre a Constituição Federal de 1988 e as leis ordinárias. (...) o CDC é norma principiológica, tendo posição hierárquica superior diante das demais leis ordinárias (...).” (Tartuce, Flávio; Manual do Direito do Consumidor: direito material r processual, volume único / Flávio Tartuce. Daniel Amorim Assunção Neves – 12. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023, p 9/13)”.

 

Por derradeiro, as empresas aéreas se apegam tão somente na resolução 400 da ANAC, esquecendo que acima dessa resolução há o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil, sem mencionar a Constituição Federal de 1988.

 

Que pelos diálogos das fontes normativas e por suas posições hierarquicamente superiores prevalecem sobre a resolução editada por uma agência reguladora que não passou pelo processo legislativo mais rigoroso igual das Emendas Constitucionais e Leis Ordinárias, portanto, o teor do art. 19 da Resolução 400 da ANAC deve ser rechaçado pelas empresas de transporte aéreo, em favor do consumidor sempre.

 

Raphael Belga de Freitas

 

REFERÊNCIAS:

 

  • BRASIL. Lei Nº 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre a proteção do consumidor e dá outras providências. Brasília, DF: Diário Oficial da União, 1990

  • Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgInt no AREsp 1447599 RJ 2019/0036617-3; Disponível em < https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stj/859609680>, acessado em 18 de abril de 2024.

  • Tartuce, Flávio; Manual do Direito do Consumidor: direito material r processual, volume único / Flávio Tartuce. Daniel Amorim Assunção Neves – 12. ed. Rio de Janeiro: Método, 2023.

     

  • ANAC, RESOLUÇÃO Nº 400, DE 13 DE DEZEMBRO DE 2016, Dispõe sobre as Condições Gerais de Transporte Aéreo, disponível em: < https://www.anac.gov.br/assuntos/legislacao/legislacao-1/resolucoes/resolucoes-2016/resolucao-no-400-13-12-2016>, acessado em 18 de abril de 2024.



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