Dispensa de licitação: as contratações em caráter emergencial, por dispensa fabricada

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28/03/2019 às 15:47
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3 A DISPENSA DE LICITAÇÃO POR EMERGÊNCIA FABRICADA

Existem situações no qual a Administração recebe da lei a devida autorização necessária para deixar de licitar, porém se esta for para o benefício do interesse coletivo. Nas hipóteses em que a Administração se depara com a prerrogativa fática para licitar nessa hipótese, conforme instituído em lei.

A emergência é caracterizada pela urgência no atendimento da contratação, essa demora pode acarretar grande risco de prejuízo ao interesse público, ou obras, serviços e equipamentos.

Feitas tais considerações iniciais ao tema que tem pretensão de apresentar conforme a Licitações e Contratos Administrativos que prevê em seu artigo 24, inciso IV, o caso de contratação direta em face de prévia existência de motivos caracterizadores de emergência.

Art. 24. É dispensável a licitação:

IV – nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo de 180 (cento e oitenta) dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

A dispensa na licitação pode ser realizada quando notadamente ocorre um evento ou situações algumas vezes causadas por motivo de força maior, que gera urgência no atendimento, a demora de assistência na situação emergencial, pode acarretar prejuízos ou comprometer a segurança da coletividade, das obras e serviços, equipamentos, bens públicos ou de entes de particulares.           O conceito de emergência é capaz de justificar a dispensa do procedimento licitatório, e deverá ser respaldado em situação real decorrente de fato imprevisível, de forma fundamentada, embora seja previsível que não há nada para impedir esses acontecimentos, estes que a própria lei faz previsão para os casos taxados no rol do artigo 24 da lei 8.666/93.

A dispensa de licitação por emergência tem lugar quando a situação que a justifica exige que a Administração Pública tome providências rápidas e eficazes para debelar ou, ao menos, minorar as consequências lesivas à coletividade.

Referente ao assunto ensina Antônio Carlos Cintra do Amaral (2001, p. 49):

A emergência é, a nosso ver, caracterizada pela inadequação do procedimento formal licitatório ao caso concreto. Mais especificamente: um caso é de emergência quando reclama solução imediata, de tal modo que a realização de licitação, com os prazos e formalidades que exige, pode causar prejuízo à empresa (obviamente prejuízo relevante) ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços ou bens, ou, ainda, provocar a paralisação ou prejudicar a regularidade de suas atividades específicas. Quando a realização de licitação não é incompatível com a solução necessária, no momento preconizado, não se caracteriza a emergência”. (Amaral, 2001, p.49).

Como requisito para que a contratação direta, com base nos casos de emergência, seja realizada de forma lícita, necessário se faz a plena demonstração do nível do dano e eficácia da contratação para retardar ou até mesmo eliminar o risco·.

Vale frisar que, atualmente, é cabível a dispensa de licitação quanto aos casos de emergência ficta, ou fabricada, em que a Administração Pública deixa de adotar, tempestivamente, as providências necessárias à realização de licitação previsível, para a realização da contratação direta via dispensa.

O atendimento realizado pelo poder público deverá ser imediato, pois o interesse da coletividade encontra-se em risco, sob pena de a procrastinação causar danos ao poder público, tornando a dispensa um procedimento conveniente, nestes casos para o gestor público, observando as vinculações jurídicas aplicáveis. Porém esta deverá ser devidamente justificada, não basta que a Administração mencione a necessidade de celebração de contrato em caráter emergencial.

Realizar uma contratação direta significa cautela redobrada, essas contratações emergenciais representam necessidade no atendimento imediato a certos interesses. A demora em atender, representaria o risco de sacrifício de valores preservados pelo ordenamento jurídico. O procedimento licitatório acaba tornando-se demorado para estas emergências. No caso concreto ato de dispensa de licitação deve ser justificado nos autos, por meio da demonstração da ocorrência dos requisitos previstos em lei.

A Administração Pública tem como obrigação antes de iniciar qualquer forma de contratação pública verificar seu orçamento, ter o despacho de autorização atestando ciência do seu ordenador de despesas e de que há a dotação financeira orçamentária suficiente para o prosseguimento da licitação. Resguardando e obedecendo ao princípio da segurança jurídica.

 Desta forma atendendo os requisitos necessários na conforme a Lei complementar nº 101 de 2000.

O artigo 16 da referida lei é bem específico quanto a isso:

Art. 16. A criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa será acompanhado de:

(...)

II - Declaração do ordenador da despesa de que o aumento tem adequação orçamentária e financeira com a lei orçamentária anual e compatibilidade com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias.

§ 4o As normas do caput constituem condição prévia para:

I - empenho E licitação de serviços, fornecimento de bens ou execução de obras;

Vale mencionar que o planejamento é fundamental para todos os tipos de contratações. É importante que na Administração Pública esteja incorporada a capacidade de antecipação de fatos futuros. É preciso que se considere as inúmeras incertezas do futuro, para isso aplica-se o Princípio do Planejamento mencionado no Decreto Lei 200/67, este que tem intuito de prevenção por parte da administração.

Os atos administrativos devem ser elencados em estratégias e não apenas em suposições, pensar em possíveis alternativas de escape caso ocorra algum problema, estes planos que organizam e define o melhor procedimento para alcançá-los, a arrecadação das verbas para ver onde empregar o capital arrecadado, com o planejamento adequado.

O Decreto nº 200/67, faz a ressalva de todos os apontamentos supracitados, esclarecendo a importância do planejamento para a Administração Pública:

Art. 6º As atividades da Administração Federal obedecerão aos seguintes princípios fundamentais:

I - Planejamento.

(...)

Art. 7º A ação governamental obedecerá a planejamento que vise a promover o desenvolvimento econômico-social do País e a segurança nacional, norteando-se segundo planos e programas elaborados, na forma do Título III, e compreenderá a elaboração e atualização dos seguintes instrumentos básicos:

a) plano geral de governo;

b) programas gerais, setoriais e regionais, de duração plurianual;

c) orçamento-programa anual;

d) programação financeira de desembolso.

Desta forma verifica-se a importância do planejamento para o interesse público, conforme o entendimento de Angélica Petian (2015, p. 86) abaixo:

A nosso ver, a imposição do planejamento como instrumento de concretização dos valores constitucionalmente eleitos não está radicada em um dispositivo específico da Constituição, mas permeia todo o seu texto, vez que o impõe como etapa necessária ao alcance do interesse público primário tutelado pelo estado.

O planejamento para contratações, ou para qualquer outro tipo de aquisição, é visto como etapa necessária, para zelar pelo interesse da coletividade.

3.1 A DESÍDIA ADMINISTRATIVA PARA GERAÇÃO DE CONTRATAÇÃO EMERGENCIAL

A emergência fabricada acontece quando a Administração tem por

A desídia administrativa é a desatenção, o descuido, a falta de compromisso, a negligência do agente público em cumprir com sua obrigação de atuar conforme os princípios da eficiência e finalidade, com caução. Na prática a desídia ocorre quando o gestor público deveria estar em alerta para o cumprimento dos prazos de contratos administrativos, principalmente o vencimento destes para possível elaboração de termo aditivo. Estes que contribuem para surgimento do risco a bens, pessoas e equipamentos que poderiam ter sido evitados caso o administrador responsável atuasse de acordo com o que dele se espera conforme a sua função.

            Complementando este raciocínio, Angélica Petian (2015, p. 94) ensina:

A referida falta de planejamento enquadra-se como inércia administrativa, a qual resta configurada quando o agente administrativo deixa de observar o preceito legal, situação na qual é possível vislumbrar a omissão ou a ação ineficiente, capaz de resultar numa situação emergencial, e consequentemente, na dispensa de licitação.

3.1.1 O posicionamento do Tribunal de Contas da União vinculado à Advocacia- Geral da União

Antigamente o TCU, conforme o Acórdão Plenário nº 347/94

Nas palavras do Ministro Carlos Átila Álvares da Silva (1994, p. 06), Relator do Acórdão nº 347/1994, os requisitos caracterizados para contratação dispensa causada por desídia do administrador:

1) Que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não tenha se originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis, ou seja, que ela não possa, em alguma medida, ser atribuída à culpa ou dolo do(s) agente(s) público(s) que tinha(m) o dever de agir para prevenir a ocorrência de tal situação;

2) que exista urgência concreta e efetiva do atendimento a situação decorrente do estado emergencial ou calamitoso, visando afastar risco de danos a bens ou à saúde ou à vida de pessoas;

3) que o risco, além de concreta e efetivamente provável, se mostre iminente e especialmente gravoso;

4) que a imediata efetivação, por meio de contratação com terceiro, de determinadas obras, serviços ou compras, segundo as especificações e quantitativos tecnicamente apurados, seja o meio adequado, efetivo e eficiente de afastar o risco iminente detectado.

O TCU manifestava-se quanto ao atendimento das contratações diretas de uma forma mais rígida, acerca destes pressupostos supracitados para os casos de dispensa por desídia administrativa.

Em seu atual entendimento no Acórdão n.º 3521/2010, Tribunal de Contas da União, conforme o relator Ministro Benjamin Zymler (2010, p. 04):

Em antiga jurisprudência deste Tribunal, Decisão n.º 347/94 – Plenário, segundo a qual a dispensa de licitação é cabível desde que a situação adversa, dada como de emergência ou de calamidade pública, não se tenha originado, total ou parcialmente, da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos disponíveis”. No entanto, o relator chamou a atenção para o fato de que “a jurisprudência desta Corte de Contas evoluiu, mediante Acórdão n.º 46/2002 – Plenário”, no sentido de que também é possível a contratação direta quando a situação de emergência decorre da falta de planejamento, da desídia administrativa ou da má gestão dos recursos públicos, devendo-se analisar, para fim de responsabilização, a conduta do agente público que não adotou tempestivamente as providências cabíveis.

A emergência  por falta de planejamento é um ilícito que não impede a contratação, com fundamento no princípio da continuidade do serviço público e da supremacia do interesse público. Entretanto deve ser apurada a responsabilidade pela desídia administrativa, até mesmo podendo ocorrer uma ação de improbidade pela- má fé.

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Segundo o entendimento de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes (2016, p. 269) sobre a nova atuação do TCU:

Na esfera federal, é conhecido o esforço que o Tribunal de Contas da União desenvolveu para concretizar o comando legal na sua melhor expressão. Tornaram-se mesmo famosas as auditorias para verificar obras inacabadas e a recomendação ao Congresso Nacional para dotá-las de recursos. Em outras oportunidades, destacou em relatórios de contas anuais esse problema.

Essas auditorias servem para fiscalizar os órgãos da administração, verificando como anda a organização, com o intuito de suprimir os fatores que podem levar a ocorrer uma contratação por dispensa na hipótese em que foi fabricada, por conta da desídia administrativa.

A nova posição do TCU aponta que independente da origem que causa a emergência é cabível a contratação direta, e haverá de consequências jurídicas.

A contratação direta, por dispensa de licitação, em emergências decorrentes da falta de planejamento, a desídia ou provocação da situação é ilícita, porém a contratação em si é lícita, por conta dos princípios que resguardam o bem da coletividade.

 Ao tratar do tema na esfera do Poder Executivo Federal, a Orientação Normativa nº 11/2009 da Advocacia- Geral da União, possui o seguinte entendimento:

ON nº 11/2009 da AGU: “A contratação direta com fundamento no inc. IV do art. 24 da Lei nº 8.666, de 1993, exige que, concomitantemente, seja apurado se a situação emergencial foi gerada por falta de planejamento, desídia ou má gestão, hipótese que quem lhe deu causa será responsabilizado na forma da lei.

A referida orientação normativa está em conformidade com o atual posicionamento do TCU acerca das emergências fabricadas por desídia administrativa.

3.2 CASO CONCRETO

Conforme o Parecer nº 00172/2018/CJU-AM/CGU/AGU, um dos órgãos vinculados ao Ministério da Saúde, o Distrito Sanitário Especial Indígena do Médio Rio Purus - DSEI/MRP, este que enviou o processo para análise e emissão de parecer jurídico referente às aquisições de materiais para consumo, via dispensa emergencial de licitação, com fundamento no artigo 24,IV da Lei 8.666.

O Advogado da União responsável pelo processo identificou que se tratava de um caso em que o órgão agiu com desídia para obtenção da contratação:

Nos presentes autos, pode-se constatar que a necessidade foi gerada por atos e inércia inerentes a própria Administração (SEI n° 2950826/ 2938631/ 3391253).

(...)

Destarte, como colacionado pelo próprio órgão nas justificativas para a contratação emergencial, tal situação fática demonstra que a falta de planejamento prévio, em vistas ao projeto de ação intrínseco às atividades do órgão assessorado, desencadeou a eventualidade concreta.

                                      (...)

Em face do exposto, restrito ao exame dos aspectos jurídico-formais do processo, em atenção ao Artigo 38, parágrafo único, da Lei 8.666/93, opinamos, nos limites da análise jurídica e excluídos os aspectos técnicos e o juízo de oportunidade e conveniência do ajuste, pela existência de óbices legais ao prosseguimento do presente processo, os quais restarão superados desde que observada todas as recomendações emitidas ao longo do parecer, quando será possível dar-se o prosseguimento ao processo, nos seus demais termos, sem nova manifestação da CJU ’’. (Reis, 2018, p.13).

Após minucioso estudo do caso o parecerista responsável optou por fazer um parecer condicionado com uma série de ressalvas para prosseguimento, desde que apurada a responsabilidade. Desta forma o órgão consulente deverá fazer os ajustes necessários para continuação do processo.

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Sobre a autora
Ketelles Garcia

Ex- estagiária da Advocacia-Geral da União.

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