Capa da publicação O filho adotivo no homicídio funcional: legalidade X igualdade
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A situação jurídica do filho adotivo no homicídio funcional:

um estudo da divergência entre o princípio da legalidade e o princípio da igualdade

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3 ENTENDIMENTOS DIVERGENTES

A partir do choque entre a legislação constitucional e a legislação infraconstitucional quanto ao homicídio de filho adotivo, surgem duas correntes: a que defende o princípio da legalidade e a que defende o princípio da igualdade.

Segundo Damásio Evangelista de Jesus (2015, s/p) a morte de filho adotivo de policial, por exemplo, não é abrangida pela norma, salvo a incidência de qualificadora diversa. No mesmo sentido entende Rogério Greco, Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais:

Não há consanguinidade, ou seja, relação de sangue, que permita o reconhecimento de um tronco comum com relação ao filho adotivo. Dessa forma, infelizmente, se o homicídio for praticado contra o filho adotivo de um policial, em razão dessa condição, não poderemos aplicar a qualificadora do inc. VII do § 2.º do art. 121 do CP, tendo em vista que, caso assim fizéssemos, estaríamos utilizando a chamada analogia in malam partem. (GRECO, 2015, p. 6)

Ademais, ainda a favor da prevalência do princípio da legalidade, preleciona Eduardo Luiz Santos Cabette que:

(...) se um sujeito mata o filho consanguíneo de um policial (parentesco biológico ou natural), é atingido pela norma sob comento. Mas, se mata o filho adotivo do mesmo policial (parentesco civil), não é alcançado. Não é possível consertar o equívoco legislativo mediante o recurso da analogia porque isso constituiria analogia 'in mallam partem', vedada no âmbito criminal. Efetivamente houve um grande equívoco do legislador nesse ponto específico. A única consolação em meio a essa barbeiragem legislativa é o fato de que a morte de um filho adotivo de um policial, por exemplo, em represália ou vingança pela atividade deste último, configurará tranquilamente o 'motivo torpe' e fará do homicídio um crime qualificado da mesma maneira, tendo em vista o mero simbolismo da norma que veio a lume com a Lei 13.142/15. (CABETTE, 2015, s/p)

Em sentido contrário, entendendo pela supremacia da Constituição Federal e possibilidade da aplicação da qualificadora, aduz Francisco Dirceu Barros:

(...) se o mandamento constitucional preconiza que os filhos adotivos são equiparados aos consanguíneos, a ilação lógica é a de que quem mata, por motivo funcionais, filho adotivo de uma das pessoas elencadas no art. 121, § 2.º, VII, do CP, comete homicídio funcional.

Não estamos fazendo uso da analogia in malam partem, pois não existe lacuna a ser preenchida e a norma constitucional não permite fazer nenhuma discriminação.


CONCLUSÃO

O presente artigo teve como objeto o crime de homicídio contra autoridades ou agentes descritos nos artigos 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, denominado homicídio funcional.

Incluído no Código Penal pela Lei n° 13.142, de 6 de julho de 2015, o inciso VII do §2°, do artigo 121, apresenta uma série de pessoas específicas que figuram no polo passivo do crime, além das autoridades e agentes referidos anteriormente. São elas: seus cônjuges, seus companheiros e seus parentes consanguíneos até terceiro grau – ascendentes (pais, avós e bisavós); descendentes (filhos, netos e bisnetos) e colaterais até o 3º grau (irmãos, tios e sobrinhos).

O legislador, ao excluir o filho adotivo do rol de vítimas, deu origem a um conflito entre o princípio da igualdade e o princípio da legalidade, além de fomentar pensamentos divergentes entre doutrinadores e operadores do direito.

Apesar da incansável discussão, ainda não houve consenso se os filhos não consanguíneos devem ser considerados vítimas do homicídio funcional ou apenas vítimas de homicídio simples. E certamente não haverá.

Isto porque são duas correntes extremamente fortes e opostas: uma protegendo a igualdade de todos perante a lei e a outra protegendo a tipicidade estrita e a exatidão da norma. Dessa maneira, apenas uma atitude do legislador poderá sanar o vício contido no inciso.

Assim, parece razoável que a norma seja declara inconstitucional. A ideia não é suprimir o adjetivo “consanguíneo”, já que assim o texto se tornaria extremamente abrangente, incluindo cunhados, sogros, genros e noras. Todavia, se houver adição ao texto para que se permita a inclusão do filho adotivo, o problema estará resolvido.

Não obstante a discordância de entendimento, no decorrer da pesquisa ficou claro a majoritariedade da corrente legalista, a qual defende que o filho adotivo não deve ser vítima do crime de homicídio funcional e, enquanto não sanado o equívoco legislativo, assim deve permanecer.


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Sobre os autores
Igor de Andrade Barbosa

Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pelo Programa de Mestrado em Direito da Universidade Candido Mendes - UCAM. Especialista em Direito nas Relações de Consumo - UCAM. Especialista em Direito da Concorrência e Propriedade Industrial- UCAM. Diretor e Membro do Conselho Editorial da Revista Tribuna da Advocacia da Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil do Tocantins. Professor e orientador da graduação (bacharelado) do curso de Direito da Universidade Candido Mendes - Ipanema (licenciado). Professor da graduação e da pós-graduação do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins UBEC.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Igor Andrade ; PEIXOTO, Ana Raquel Mattos Sabóia. A situação jurídica do filho adotivo no homicídio funcional:: um estudo da divergência entre o princípio da legalidade e o princípio da igualdade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6176, 29 mai. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73573. Acesso em: 19 mai. 2024.

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