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A Constituição de 1988 não admite intervenção militar

22/06/2020 às 15:28
Leia nesta página:

O artigo se reporta a questão da possibilidade de intervenção militar na democracia.

1. UMA PEQUENA VISÃO HISTÓRICA

Como bem explicou Bolivar Lamounier, em artigo para o Estadão, publicado em 20 de junho de 2020, “nos anos 30, sob a decisiva influência do general Góes Monteiro, ganhou corpo o modelo de uma organização tutelar, destinada não somente à defesa externa do País, mas legitimada para também atuar sponte sua no plano interno.”

Em 1946, com a vitória das forças aliadas, ficou inviável a continuidade da ditadura do Estado Novo. Os militares depuseram Vargas, num "golpe branco". Os mesmos militares que apoiaram aquela ditadura a extinguiram e permitiram eleições democráticas e a nova ordem com a Constituição de 1946, de índole liberal, que se contrapunha ao fascismo do Estado Novo.

Esse pensamento continuou a vigorar de tal modo que, em 1954, em 1955, as Forças Armadas tiveram grave influência naqueles episódios: o primeiro, em 1954, que envolveu um escândalo que atingiu a família e pessoas próximas de Getúlio Vargas o levando ao suicídio, pois disse que “só morto sairia do Catete”. O segundo, em 1955, quando o Marechal Lott garantiu a posse de JK na presidência da República, com o movimento de 11 de novembro.

As mesmas forças que levaram a queda de Vargas voltaram-se contra o poder civil em 1964, levando a uma ditadura militar que durou 21 anos.

As estreitas vinculações entre setores civis e militares, e especialmente entre elites jurídicas e militares, pavimentaram o caminho para a consolidação do regime ditatorial pós-1964, inclusive, levando em conta que as elites econômicas manifestaram seu apoio a edição do AI-5, pelo governo militar, em expressivo registro daquele período histórico.

Falava-se que as Forças Armadas eram a mão armada do capitalismo.

As Forças Armadas, naquele período, apoiaram desde uma agente pró-americana, com o Marechal Castelo Branco, até a uma agenda desenvolvimentista e nacionalista, com o General Geisel, com especial atenção a Estatais, num modelo criado a partir do Decreto-lei nº 200/67.

Lembre-se que para o capitalismo com suas ideias liberais, não interessa acabar com a desigualdades, mas, sim, criar riquezas.

Esses militares fixaram a ideia de que o poder civil é uma concessão do poder militar.

Veio a Constituição de 1988 e com ele a redação do artigo 142 da Constituição Federal.

Com o malogro da nova República e do governo de esquerda diante do impeachment que derrubou a presidente Dilma Roussef do poder, voltaram a passar pela cabeça de saudosistas, neoconservadores e neoliberais, que apreciaram e viveram a ditadura de direita de Pinocht no Chile, a ideia de uma intervenção militar.

A derrubada do governo Dilma Roussef trouxe, dentre outras consequências, além de uma agenda neoliberal o reforço da Justiça Militar e de uma política de segurança pública.

Essa política de segurança pública aumentou a repressão com relação às camadas mais pobres da população.

O movimento que levou à vitória, em 2018, um governo de extrema-direita, pautado em temas conservadores, de fortalecimento da repressão pelo Estado e de uma economia moldada nas lições da chamada Escola de Chicago, inflamou tais concepções. Para tal, não há espaço para reivindicações com relação a aborto, temas LGBT, dentre outros.

Para estes, o combate à pobreza se faz com o crescimento e com a criação de riqueza e não com sua distribuição.


2. UMA AGENDA POLÍTICA

Com isso veio a ideia de um Poder Conservador que seria exercido pelos militares.

Preocupam recentes manifestos oriundos de militares.

O documento, intitulado "504 Guardiões da Nação", é subscrito por centenas de militares de alta patente do Exército, da Aeronáutica e da Marinha. Na lista, há generais, brigadeiros e coronéis.

“Ombreamos com o Presidente da República, Chefe-de-Estado e Comandante Supremo das Forças Armadas, eleito democraticamente por 57 milhões de brasileiros, para expressar, por intermédio do único meio gratuito e democrático de que dispomos, as redes sociais, as quais Vossas Excelências tentam criminalizar, um enérgico repúdio por sermos governados dissimuladamente por grupos inescrupulosos, formados por cidadãos eleitos com um único voto, concedido por conveniência ou nepotismo, em cumplicidade com parlamentares que não honram os diplomas conferidos por seus eleitores”, diz trecho do manifesto.

Terão as Forças Armadas o papel de Poder Moderador diante da redação dada ao artigo 142 da Constituição Federal e com isso intervir sempre que possível a bem dos interesses da Nação?

Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.”

Percebe-se que três são as atribuições das Forças Armadas, alicerçadas na hierarquia e disciplina, a saber:

  1. Defesa da pátria;

  2. Garantia dos poderes constitucionais;

  3. Garantia da lei e da ordem, por iniciativa de qualquer dos três Poderes.


    3. AS IDEIAS DE ALFRED STEPAN E DE KARL SCHMITT

Hoje, a garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel.

Lembro que, no passado, Alfred Stepan (Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira, pág. 1975) apontou que as Forças Armadas teriam desempenhado um papel moderador e atuado como árbitros dos conflitos entre os poderes no período de 1946-1964, tendo em vista as intervenções militares “cirúrgicas” nos momentos de graves crises nacionais ocorridos em 1954, 1955 e 1961. Nessa leitura, as Forças Armadas teriam exercido uma função de agentes estabilizadores da ordem, responsáveis por recompor a normalidade em situações de crise.

Na mesma linha, na Alemanha tinha-se a posição de Schmitt,. Para ele, o estado de direito seria suspenso em momentos de crise, não havendo aí senão que o poder da força. Neste estado de exceção, as decisões seriam livremente tomadas pelo soberano, sem qualquer limitação das leis. Às Forças Armadas cumpriria o papel de atuar como fiel da balança do jogo político, dando respaldo às decisões do ditador até que restabelecida a normalidade institucional. O resto da história é conhecido. Milhões de seres humanos inocentes foram assassinados pela fúria bestial do regime nazista.

Para Carl Schmitt, que colaborou com o nazismo em sua origem, a essência da política não é a competição eleitoral voltada ao exercício de um governo submetido à constituição, mas sim uma relação “amigo-inimigo”, em que o objetivo fundamental a ser perseguido pelo líder é a eliminação daquele que é colocado na condição de inimigo.

Nesse entendimento fica evidente a possiblidade de uma intervenção militar sendo as Forças Armadas um poder moderador.

Schmitt distinguia quatro conceitos básicos de Constituição: um conceito absoluto (a Constituição como um todo unitário) e um conceito relativo(a Constituição como uma pluralidade de leis particulares), um conceito positivo(a Constituição como decisão de conjunto sobre o modo e a forma da unidade política) e um conceito ideal (a Constituição assim chamada em sentido distintivo e por causa de certo conteúdo).

Na visão decisionista, uma Constituição é válida enquanto emana de um poder constituinte e se estabelece por sua vontade. Assim era a vontade do povo alemão que dava fundamento a sua unidade político e jurídica.

A Constituição em sentido positivo surgia mediante um ato do poder constituinte. Este ato não continha, como tal, quaisquer normas, mas sim, e precisamente por ser um único momento de decisão, a totalildade da unidade política considerada na sua particular forma de existência; e ele constituía a forma e o modo da unidade política, através do titular do poder constituinte, adota por si própria e se dá a si própria.

Nesse conceito decisionista a essência da Constituição não residia, pois, numa lei ou numa norma; residia na decisão política do titular do poder constituinte(do ditador, numa ditadura e do povo, numa democracia).

Com Carl Schmitt não se visa encontrar uma substância ou uma axiologia; procura-se o critério, o princípio identificador do político. Ele consiste na distinção - a que reconduz a atos e móveis políticos - entre amigo e inimigo.

Carl Schmitt vê a POLÍTICA COMO SUPERIOR ao direito, ele teoriza que a política é quem toma as decisões e institui o direito. Quem elabora o direito é a política sendo o direito um mero instrumento da política.

A Alemanha estava em Estado de exceção, e a única forma de solução executar o poder de decidir do governante. O governante, nesse sentido, toma as decisões com o objetivo de manter a homogeneidade social, o funcionamento do sistema e garantir a preservação da unidade estatal. Por isso o governante deve ser soberano, porque é ele que decidirá sobre um Estado de exceção.

Ao povo cabe obediência em troca da habilidade decisiva governamental. Para Schmitt, todo governo capaz de ação decisiva deve incluir um elemento ditatorial na sua Constituição. o Estado de Emergência é limitado (até mesmo em posteriori, pela lei), para "soberania da ditadura", onde o Direito foi suspenso, como em clássico Estado de Exceção, não para "salvar a Constituição", mas para criar outra. Foi assim como ele autorizou a suspensão contínua de Hitler da ordem constitucional legal durante o Terceiro Reich (A Constituição da República de Weimar nunca foi ab-rogada, como citou Giorgio Agamben; particularmente, foi "suspensa" por quatro anos, sendo a primeira em 28 de fevereiro de 1933 pelo Decreto de incêndio do Reichstag e a suspensão era renovada a cada quatro anos, similiando-se a um - contínuo - Estado de Emergência).

Há de se ver o normativismo de Hans Kelsen e o decisionismo de Carl Schmitt. Em síntese, poderia-se dizer que o normativismo impõe uma derrota à racionalidade buscada pelo Direito Natural, ao afirmar que só haveria uma espécie de lei, a lei positiva, posta pelo Estado, que deveria governar este e os cidadãos, concluindo que haveria tão somente uma “ordem jurídica normativa”. E a partir daí, se poderia falar legitimamente de uma Teoria Pura do Direito.

Doutro giro, para Schmitt, as coisas não se davam bem assim. Para ele, Kelsen escamoteava o pressuposto de qualquer norma jurídica, que é a decisão, ou seja, haveria uma verdadeira subordinação do normativo ao elemento decisionista, presente no Direito, dado que a Teoria Pura do Direito, “esquece ou finge esquecer” “que uma norma não saberia produzir, por si própria, as condições de sua efetuação”, ou melhor, “ignorando, ou fingindo ignorar” que “a ideia do direito não pode efetuar-se por si mesma”.

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A posição decisionista tem, assim, de culminar num relativismo que afirma o pluralismo dos valores últimos, que não passam de atos de crença, resignando-se em aceitar a possibilidade de rompimento desses pluralismos através de atos de violência ou de imposição violenta que não pode ser racionalmente contraditada, tendo de ser admitida como um fato. A posição de Kelsen é trazida aqui à colação, no sentido de que o direito nazista, embora criticável do ângulo das boas intenções moralizantes seria direito.

O discurso decisionista não suporta o diálogo, mas apenas um esquema unitário do que supõe verdade. De um lado haveria alguém do bem; do outro lado, alguém do mal.

A pragmática, dentro dos estudos de semiótica, faz a distinção entre a discussão-com e a discussão-contra. Na primeira, as partes que discutem são homólogas(que mantém com outro elemento similar uma relação de correspondência); na segunda, heterólogas. Na primeira, apenas, a busca da verdade como condição do consenso é possível; na segunda, o consenso é possível, mas não em razão da verdade(que ali se torna função do consenso), mas em razão de uma decisão. Na situação homológica, a possibilidade de verdade por si só garante uma passagem da estrutura dialógica para a monológica, pois a discussão-com vive dessa tentativa que o orador conseguir que o ouvinte se renda(se convença).

Na situação heterológica não se instaura uma perspectiva privilegiada dessa natureza, mas apenas um esquema unitário que coordena a pluralidade dos pontos de vista que continuam a se determinar mutuamente, um em oposição ao outro. A língua e a fala num mundo de subordinação politica e económica se distinguem claramente. Há a fala que, para Saussure, é um ato individual de vontade e inteligência, no qual convém distinguir: 1o) as combinações pelas quais o falante realiza o código da língua no propósito de exprimir seu pensamento pessoal; 2o) o mecanismo psicofísico que lhe permite exteriorizar essas combinações”. [SAUSSURE, 2002: 22]

“Não é possível conceber um Direito legítimo no nazismo”, explica o advogado André Rafael Weyermüller. Para ele, “o Direito não era mais Direito. Era, sim, mais um instrumento de controle e legitimação da ideologia de um regime baseado, sobretudo, nas idéias de alguns poucos homens que não tinham a menor consideração por um mínimo de senso de humanidade”. Em sua opinião, “é muito difícil afirmar qual foi o fator mais importante que levou uma nação de filósofos e músicos célebres a gerar, acolher e seguir um homem extremamente limitado e perturbado com uma vida pessoal extremamente obscura e confusa, com ideias radicais e agressivas”.

Mas Weyermüller pondera que, “além de músicos e filósofos, a Alemanha tinha um antecedente histórico guerreiro e militarista prussiano e um forte senso de respeito à autoridade e a disciplina. Se o Direito daquela época tinha mecanismos capazes de legitimar a ascensão do nazismo, esse senso de dever e obediência não permitia a transgressão ou a rebeldia, pelo menos foi assim para a maioria do povo”. Felizmente, conclui, “à luz do Direito hoje, principalmente do Direito Internacional, não seria possível conceber a ascensão de um poder tão absoluto e tão perverso”.


4. NÃO HÁ PODER MODERADOR NA CONSTITUIÇÃO DE 1988

Por outro lado, não há que falar em Poder Moderador que foi extinto com a República, em 1889.

A Constituição imperial dizia no artigo 98: “O Poder Moderador [...] é delegado privativamente ao Imperador [...] para que vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais poderes políticos”. Temos uma República julgada incapaz de se autogovernar, sujeita à tutela de um novo Poder Moderador.

Assim, o Poder Moderador e o Poder Executivo eram exercidos pelo Imperador (artigos 101 e 102), cumulação essa que foi muito discutida, como disse Zacarias de Góis e Vasconcelos (Da natureza e limites do poder moderador).

Naquilo que é considerada a melhor obra na matéria, Zacarias de Góis e Vasconcelos afirmavam que a plenitude do governo representativo somente estaria assegurada pela responsabilidade ministerial nos atos do Poder Moderador.

Hoje, a garantia dos poderes constitucionais tornou-se a justificativa preferida pelas Forças Armadas para definir seu papel. Ora, o sistema de freios e contrapesos não o admite.


5. O SISTEMA DE FREIOS E CONTRAPESOS

O Sistema de Freios e Contrapesos consiste no controle do poder pelo próprio poder, sendo que cada Poder teria autonomia para exercer sua função, mas seria controlado pelos outros poderes. Isso serviria para evitar que houvesse abusos no exercício do poder por qualquer dos Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Desta forma, embora cada poder seja independente e autônomo, deve trabalhar em harmonia com os demais Poderes.

Isso é inconciliável com um poder moderador, advindo de uma intervenção militar, cuja natureza foge aos princípios e regras da Constituição de 1988, uma Constituição que abraça a democracia.

A Constituição de 1988 representou a vitória desses ideais, sem qualquer espaço para hiatos ditatoriais. A distribuição de funções entre distintos Poderes constituiu uma espécie de poliarquia na qual nenhum deles é soberano, mas todos devem igual reverência à Constituição. Para situações de grave abalo institucional, há regras excepcionais que preveem a intervenção federal, o estado de defesa e o estado de sítio, condicionados a controles exercidos pelo Legislativo ou pelo Judiciário.

As linhas acima traçadas mostram um modo de pensar que não se adequa à Constituição de 1988, Constituição que adota o Estado Democrático de Direito e na sua linha a divisão de poderes, alicerce do sistema. A Constituição de 1988 é um modelo político inclusivista e que não compactua com discriminações, sejam elas quais forem e que prega, num modelo capitalista, a harmonia entre o capital e o trabalho, dando a todos o direito de externar suas opiniões e ideias. Daí porque é Constituição-cidadã, cuja efetividade é plena. A Constituição prega o pluralismo de ideias.

Como muito bem exposto por Seabra Fagundes (As Fôrças Armadas na Constituição. RDA 9/1947, p. 1-29, jul./set., 1947. p. 12) com apoio no pensamento de Rui Barbosa, as Forças Armadas estão integradas e vinculadas ao comando do seu chefe supremo, o Presidente da República, que, por sua vez, tem o dever de respeito às leis e à própria Constituição. Essa cadeia de comando não abre nenhum espaço para se alçar as Forças Armadas de cumpridoras da lei à condição de intérpretes e fiadoras da própria legalidade.”

Essas lições dadas sob o império da Constituição de 1946, que representou a volta do Brasil ao regime democrático, após os anos de totalitarismo do Estado Novo, valem para o regime democrático da Carta de 1988.

Não cabe às Forças Armadas agir de ofício, sem serem convocadas para esse fim. Também não comporta ao Chefe do Poder Executivo a primazia ou a exclusiva competência para realizar tal convocação. De modo expresso, a Constituição estabelece que a atuação das Forças Armadas na garantia da ordem interna está condicionada à iniciativa de qualquer dos poderes constituídos. A provocação dos poderes se faz necessária, e os chefes dos três poderes possuem igual envergadura constitucional para tanto”, destaca o parecer.

Presentemente, é certo, ficam as ideias do ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), que negou seguimento ao Mandado de Injunção (MI) 7311, em que um advogado paulista pedia a regulamentação do artigo 142 da Constituição Federal para estabelecer os limites de atuação das Forças Armadas em situações de ameaça à democracia. Segundo Barroso, o dispositivo constitucional é norma de eficácia plena, e não há dúvida sobre a posição das Formas Armadas na ordem constitucional. Para ele, interpretações que liguem as Forças Armadas à quebra da institucionalidade, à interferência política e ao golpismo chegam a ser ofensivas.

Em sua decisão, Barroso afirmou que, nos mais de 30 anos de democracia no Brasil sob a Constituição de 1988, as Forças Armadas têm cumprido o seu papel constitucional de maneira exemplar. Por isso, considera que presta um “desserviço ao país quem procura atirá-las no varejo da política”.

Segundo ele, nenhum método de interpretação – literal, histórico, sistemático ou teleológico – autoriza que se dê ao artigo 142 da Constituição o sentido de que as Forças Armadas teriam uma posição moderadora hegemônica. “A menos que se pretenda postular uma interpretação retrospectiva da Constituição de 1988 à luz da Constituição do Império, retroceder mais de 200 anos na história nacional e rejeitar a transição democrática, não há que se falar em poder moderador das Forças Armadas”, afirmou.

Barroso lembrou que, ainda que seu comandante em chefe seja o presidente da República, elas não são órgãos de governo. “São instituições de Estado, neutras e imparciais, a serviço da pátria, da democracia, da Constituição, de todos os Poderes e do povo brasileiro”, concluiu.


CONCLUSÕES

Militar é carreira de Estado. Não de governo.

Diante desse quadro, segundo o ex-presidente Fernando Henrique, ele e o senador José Richa (PMDB-PR), quando dos trabalhos da Constituinte de 1988, participaram pessoalmente das negociações com os militares. —O que o senador Richa e eu introduzimos de novo no texto foi que qualquer dos três Poderes poderia convocar as Forças Armadas para assegurar a lei e a ordem. Era usual (como é) convocá-las, em certas regiões do país, para garantir, por exemplo, que as eleições ocorram pacificamente. Nada se pensava em termos de tutela —disse Fernando Henrique ao GLOBO.

A Constituição, pois, não pode ser interpretada por tiras, como ensinava Hesse. Ademais, cabe ao intérprete fazer sobre ela uma interpretação sistemática.

Nesse bojo, não há como dissociar a solução do problema, sem levar em conta a teoria da separação de poderes, exposta no artigo 2 da Constituição, de que esses poderes são harmônicos e independentes, e ainda de que o presidente, como chefe supremo da Nação, deve respeito à Constituição e às leis, estando as Forças Armadas sujeitas a sua obediência (art. 84, XIII e art. 142). Esse desrespeito por parte do presidente da República o levará a ser impedido, na forma da lei.

O art. 142. está inserido num sistema normativo que prevê a independência e harmonia entre os Poderes, sem que haja um Poder Moderador que exerça supremacia sobre os demais. Os controles recíprocos são a forma de composição de eventuais conflitos. As Forças Armadas não são um Poder da República, mas uma instituição à disposição dos Poderes constituídos para, quando convocadas, agirem instrumentalmente em defesa da lei e da ordem.

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Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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