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Liminares proíbem bebidas alcoólicas em garrafa PET

Liminares proíbem bebidas alcoólicas em garrafa PET

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Decisão liminar da Justiça Federal de Bauru (SP) proibiu a cervejaria Belco de envasar bebidas alcoólicas em garrafas PET, por falta de prévio estudo de impacto ambiental, bem como determinou que a União se abstivesse de emitir licença para o produto.

Autos nº 2009.61.11.000427-2

Vistos.

O eminente representante do Ministério Público Federal apresentou os pedidos anexados às fls. 149/150 e 151, por intermédio dos quais comprovou a interposição de agravo por instrumento contra a r. decisão de fls. 142/146vº e formulou aditamento ao pedido inicial.

Considerando que não houve a integralização do pólo passivo, não incidindo ao caso o óbice do art. 321 do CPC, e levando em conta que o cumprimento do art. 526 do mesmo estatuto tem o fim de possibilitar a retratação da decisão agravada [01], recebo o aditamento e procedo ao reexame da r. decisão de fls. 142/146vº.

Observo que pelo aditamento ora recebido o autor assentou, de forma inequívoca, que a pretensão deduzida tem o fim de evitar a ocorrência de dano ambiental decorrente da comercialização de qualquer bebida alcoólica envasilhada em embalagem plástica – garrafa PET (polietileno tereftalato), sem a existência de prévio estudo de impacto ambiental, licença do IBAMA e registro junto ao Ministério da Agricultura e Abastecimento.

Vale registrar, propõe a presente propugnando pela concessão de liminar impositiva de "obrigação de não fazer à ré Cervejaria Belco S.A., consistente em não envasar e não comercializar qualquer tipo de bebida alcoólica por mistura (v.g.: licor, bebida alcoólica mista, caipirinha, bebida alcoólica composta, aperitivo, aguardente composta etc.), com embalagens em garrafa PET (à base de polietileno teriftalato) ou embalagem plástica, sem a existência de prévio estudo de impacto ambiental, licença ambiental do IBAMA e registro no Ministério da Agricultura..." (fl. 149).

Dado que a presente ação civil pública possui nítida e inconteste natureza preventiva, e se dirige contra envasilhamentos de bebidas alcoólicas realizados em sede da cervejaria ré localizada em Município abrangido na competência desta 8ª Subseção da Justiça Federal de São Paulo, reputo superada a questão atinente ao local do dano, ventilada nestes para o alcance da solução acerca da competência.

Cogito a ocorrência de imprecisão do legislador quando da concepção da regra de competência do art. 93 do Código de Defesa do Consumidor que, ao meu sentir, em demandas preventivas deve ser entendido como o local de onde provem eventual possível futuro dano, à luz dos princípios da precaução e da prevenção [02] inscritos no art. 225 da Constituição, e do princípio da ubiqüidade, que segundo Celso Antonio Pacheco Fiorillo [03]:

"(...) vem evidenciar que o objeto de proteção do meio ambiente, localizado no epicentro dos direitos humanos, deve ser levado em consideração toda vez que uma política, atuação, legislação, sobre qualquer tema, atividade, obra etc. tiver que ser criada e desenvolvida. Isso porque, na medida em que possui como ponto cardeal de tutela constitucional a vida e a qualidade de vida, tudo o que se pretende fazer, criar ou desenvolver deve antes passar por uma consulta ambiental, enfim, para saber se há ou não a possibilidade de que o meio ambiente seja degradado.

Em outras linhas, visa demonstrar qual é o objeto de proteção do meio ambiente, quando tratamos dos direitos humanos, pois toda atividade legiferante ou política, sobre qualquer tema ou obra deve levar em conta a preservação da vida, e principalmente, da sua qualidade.

De fato, não há como pensar no meio ambiente dissociado dos demais aspectos da sociedade, de modo que ele exige uma atuação globalizada e solidária, até mesmo porque fenômenos como a poluição e a degradação ambiental não encontram fronteiras e não esbarram em limites territoriais.

Dessa forma, observa-se que o direito ambiental reclama não apenas que se ‘pense’ em sentido global, mas também que se haja em âmbito local, pois somente assim é que será possível uma atuação sobre a causa de degradação ambiental e não simplesmente sobre seu efeito."

Forte nos princípios citados – da prevenção, da precaução e da ubiqüidade -, mais uma vez registrando entender que o pleito possui natureza preventiva, com a devida venia, reconsidero a r. decisão de fls. 142/146vº, e procedo à análise do pedido de liminar, nesta etapa tão somente no que concerne aos requerimentos formulados com relação a Cervejaria Belco S.A., em vista do disposto no art. 2º da Lei nº 8.437/1992.

Ao menos nesta fase, verifico a presença dos contornos da aparência do bom direito nas alegações deduzidas pelo Ministério Público Federal no sentido de que, ao que parece, com a finalidade de se subtrair dos efeitos da ordem emanada na ação civil pública nº 2002.61.08.001467-2 que tramitou pela Justiça Federal de Marília-SP, a Cervejaria Belco S.A. passou a envasar em vasilhame PET (polietileno tereftalato) bebidas alcoólicas com mistura, bebidas alcoólicas mistas, como chopp com aromas naturais de limão, caramelo e outros.

Ocorre que, segundo a inicial, não obstante a cervejaria tenha obtido registro junto ao Ministério da Agricultura e Abastecimento em classe diversa da cerveja e do chopp, tal registro foi deferido independentemente da elaboração no necessário prévio estudo de impacto ambiental. Para maior clareza, reproduzo excerto da inicial:

"Em 24 de junho de 2002 foi ajuizada, perante a 2.ª Vara da Subseção Judiciária em Marília (SP), a Ação Civil Pública n.º 2002.61.11.001467-2, em face da União Federal (Ministério da Agricultura) e do IBAMA a fim de evitar que a adoção de garrafas plásticas para o envase de cerveja provocasse um incalculável e praticamente irreparável dano ambiental (doc. 01).

Na época, os meios de comunicação noticiavam que a indústria brasileira de cerveja/chopp estava prestes a implantar um novo processo de fabricação do produto, capaz de permitir seu acondicionamento em embalagens plásticas do tipo PET (polietileno tereftalato), semelhantes às utilizadas para os refrigerantes.

O principal motivo de interesse do setor pela novidade era (e ainda é) o baixo custo de produção da cerveja/chopp acondicionada em vasilhames de PET, o que permitiria um aumento significativo nos lucros das cervejarias, já que o novo processo não inclui o recolhimento e o tratamento das embalagens, ao contrário do que é feito com as garrafas de vidro.

Em que pese a atratividade financeira para as empresas cervejeiras, essa mudança, entretanto, pode causar um irreparável dano ambiental, principalmente diante das características que envolvem o consumo de cerveja/chopp em nosso País. Afinal, o Brasil é um dos maiores consumidores de cerveja/chopp, mas esse consumo concentra-se no tempo e no espaço, ou seja, estas bebidas são consumidas em apenas alguns meses do ano e, também, de forma concentrada em alguns lugares, principalmente praias e eventos festivos.

Além disso, ao contrário dos refrigerantes, em face dos quais são normais as embalagens de dois ou três litros, tais bebidas alcoólicas são consumidas em embalagens de 300 ml, o que aumentará, em muito, o volume de lixo produzido.

Com base nestes e em outros argumentos foi concedida, em 31 de janeiro de 2003, a tutela antecipada requerida, determinando-se que o ‘Ministério da Agricultura condicione o registro da cerveja embalada em pet, ou em qualquer outra espécie de plástico, ao licenciamento ambiental junto ao IBAMA...’, determinando também que o ‘IBAMA condicione a concessão da licença ambiental à adoção por parte dos empreendedores, de medidas eficazes, devidamente estabelecidas em prévio estudo de impacto ambiental (EIA) e relatório de impacto ambiental (RIMA)...’ (doc. 02).

Apesar desta decisão, foi concedida para a Cervejaria Belco autorização para envasar chopp em embalagens plásticas.Ao tomar conhecimento de tal fato, o Ministério Público Federal requereu e foi deferida a intimação do Ministério da Agricultura para que revogasse a mencionada autorização, o que foi feito.

A despeito disso, a Cervejaria Belco continuou a envasar chopp em embalagens plásticas, mesmo sem ter autorização para tanto e em flagrante violação à liminar concedida naqueles autos (doc. 03).

Em 28 de abril de 2008, referido processo foi sentenciado, julgando-se procedente o pedido e confirmando a liminar concedida. Ainda, dispôs: ‘determino que o MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO – MAPA realize nova inspeção na sede da empresa e, caso fique comprovado o envasamento de chope em embalagem PET a partir de 31/10/2007, deverão ser adotadas as seguintes medidas: 1.º) lacração da linha de produção que envasa chope em garrafa plástica; 2.º) deverá a empresa pagar multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), tal qual constou da decisão que deferiu a tutela antecipada; e 3.º) determino a expedição de ofício ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL da jurisdição de São Manuel (SP), instruído com cópia do processo, para analisar a ocorrência de infração penal.’ (doc. 04).

Em cumprimento à sobredita ordem judicial, por meio dos Termos de Inspeção n.º 052, 518, 3524 e 3525, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento – MAPA constatou que a empresa ‘Cervejaria Belco’, além de ter comercializado, após a proibição, chopp em garrafas PET, passou a envasar nesse tipo de vasilhame os seguintes produtos: ‘Bebida Alcoólica Mista de Chopp com Aroma Natural de Limão’, ‘Bebida Alcoólica Mista de Chopp Claro com Aroma Natural de Caramelo’ e "Bebida Alcoólica Mista de Chopp Escuro com Aroma Natural de Limão’ (doc.05).

Como se observa nas fotos anexas (docs. 06 e 07), as bebidas ‘Chopp’ e ‘Bebida Alcoólica Mista’ são comercializadas na mesma embalagem, tendo havido tão-somente alteração nos rótulos.

Para a obtenção do registro e comercialização do novo produto em embalagem PET, a aludida empresa procedeu tão-somente a uma ínfima alteração na composição química do chopp, adicionando uma pequena quantidade de ácido cítrico e aroma natural de caramelo/ou limão, e alterou a denominação e o rótulo, com o nítido propósito de burlar a decisão judicial supracitada que fez referência tão-somente aos produtos ‘cerveja’ e ‘chopp’.

Desse modo, tendo obtido o registro junto ao MAPA, por meio de expediente ardiloso, a Cervejaria Belco está comercializando o produto ‘bebida alcoólica mista’ em embalagens nefastas ao meio ambiente, sem prévia elaboração do Estudo de Impacto Ambiental. Em suma, houve tão-somente registro em classificação diversa da cerveja e do chopp para que se pudesse prosseguir descumprindo à mencionada decisão judicial.

A definição de ‘bebida alcoólica mista’ encontra-se no Decreto n.º 2.314, de 04 de setembro de 1997, que estabelece:

‘Art. 81 – Bebida alcoólica mista é a bebida com graduação alcoólica de meio a cinqüenta e quatro por cento em volume, a vinte graus Celsius, obtida pela mistura de uma ou mais bebidas alcoólicas, ou álcool etílico potável de origem agrícola, ou destilados alcoólicos simples com outras bebidas, não alcoólicos ou suco de frutas, ou frutas maceradas, ou xarope de frutas, ou outras substâncias de origem vegetal ou animal, ou ambos, permitidas em ato administrativo próprio.’

Para demonstrar a proximidade da referida bebida com o chopp, transcrevemos a composição da ‘Bebida alcoólica mista de chopp claro e aroma natural de caramelo’ contida em 100 litros do produto, comercializada pela empresa-ré em embalagens PET (doc. 08):

1.Chopp Claro (Teor alcoólico 4,7% Vol.).........q.s.p

2.ÁcidoCítrico................................0,030 Kg

3.Aroma natural de caramelo...................0,005 Kg

Portanto, apesar de não poder se distinguir entre ‘chopp’, ‘cerveja’ e ‘bebida alcoólica mista’ para efeito de condicionamento do envase em garrafas PET ao prévio Estudo de Impacto Ambiental, a Cervejaria Belco vem fabricando e envasando o último produto, tudo com a anuência do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e do Ibama.

Em verdade, a empresa-ré em completo descalabro e afronta à Justiça Federal, procedeu de forma fraudulenta, visando burlar a proibição fixada judicialmente." (fls. 03/05)

As provas trazidas com a inicial, a princípio, dão sinais de que a cervejaria adotou forma de proceder que, num paralelo ao instituto da elisão tributária, poderia ser designada como elisão ambiental à ordem judicial. Com efeito, como indicam os documentos de fls. 101/108 para não se submeter aos comandos do julgado na ação civil pública nº 2002.61.11.001467-2, a cervejaria passou a envasilhar em garrafas PET bebidas alcoólicas mistas - chopp claro ou escuro com aromas de caramelo ou limão -.

Ocorre que, como destacado à fl. 05, a composição da bebida alcoólica mista em muito se aproxima da composição do chopp, não sendo possível distinguir entre chopp, cerveja e bebida alcoólica mista para efeito de acondicionamento em garrafa PET, e para o fim do imprescindível prévio estudo de impacto ambiental. Como registrado na inicial da ação civil pública nº 2002.61.11.001467-2, juntada por cópia às fls. 16/37:

"O PET, assim como dos demais plásticos, é conhecido por sua grande dificuldade de decomposição em aterros sanitários. Estima-se que o tempo de decomposição natural da resina seja superior a 100 (cem) anos. Para as outras espécies de plástico, calcula-se esse período seja de 450 (quatrocentos e cinqüenta anos) ou até maior. Em São Paulo, os plásticos correspondem em média a 23% em peso do lixo urbano. Na coleta seletiva, o PET representa em média 17% dos reciclados separados.

De acordo com o CEMPRE – Compromisso Empresarial para reciclagem (doc. 08), somente no ano 2000 o Brasil produziu 255 (duzentas e cinqüenta e cinco) mil toneladas de plástico PET, sendo que apenas 67 (sessenta e sete) mil toneladas foram recicladas, ou seja, 26% do total produzido. O restante continua sendo encaminhado a aterros e lixões por todo o país. Os programas oficiais de coleta seletiva, que existem em aproximadamente 135 (cento e trinta e cinco) cidades brasileiras, recuperam apenas cerca de 1.000 toneladas do produto por ano. Além de garrafas descartáveis, existem no mercado nacional 70 milhões de garrafas de refrigerantes retornáveis, produzidas com PET." (fl. 18)

Importa ressaltar que na r. sentença proferida na ação civil pública nº 2002.61.11.001467-2 (cópia às fls. 72/84), ao acolher o pedido formulado pelo Ministério Público Federal, o MD. Juiz Federal Luiz Antonio Ribeiro Marins consignou:

"(...) Sobre as embalagens PET, Renata Valt, engenheira química e autora do Renata Valt, engenheira química e autora do livro ‘CICLO DA VIDA DE EMBALAGENS PARA BEBIDAS NO BRASIL’, explica que demora cerca de 100 anos para a embalagem se decompor e, apesar de ser 100% reciclável, o PET reciclado ainda não pode ser reutilizado diretamente na embalagem de alimentos e bebidas - o seu maior mercado consumidor - por questões de contaminação. E, além disso, é mais barato para a indústria comprar a resina de PET virgem em vez da reciclada.

Nos termos da Resolução do Conama N° 01/86, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente depende da elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo.

Os princípios da precaução e prevenção sugerem que o mero risco de dano ao meio ambiente é suficiente para que sejam tomadas todas as medidas necessárias a evitar a sua concretização. Isso decorre tanto da importância que o meio ambiente adquiriu no ordenamento constitucional inaugurado com a Constituição de 1988 quanto da irreversibilidade e gravidade dos danos em questão.

O Estudo de Impacto Ambiental é uma exigência constitucional, não podendo ser dispensado, sobretudo em se tratando de envase de cerveja e chope em vasilhames tipo PET, porquanto ainda não há consenso no que tange aos danos que possam causar ao meio ambiente.

Necessária, pois, para a execução de obra potencialmente lesiva ao meio ambiente, a apresentação de estudo prévio de impacto ambiental e de relatório de impacto ambiental, para que as empresas fabricantes de cerveja e chope possam obter licenciamento para início de obra para envasamento do líquido em garrafas tipo PET.

É medida tendente a proteger o meio ambiente contra degredação ou poluição, cuja recuperação, caso venha a ocorrer, será custosa e demorada, trazendo prejuízos não apenas ao ecossistema, mais também à coletividade de pessoas.

Nesse sentido, inclusive, manifestou-se o Sindicato das Indústrias de Cervejas – SINDICERV – às fls. 367/369, asseverando ‘que não é contra o envase de cervejas em embalagens plásticas/PET, desde que precedida de estudo de impacto ambiental (EIA/RIMA) devidamente aprovado pelo IBAMA’.

Por fim, com fundamento nas decisões de fls. 515/517 e 659, entendo que a presente abrange tanto a cerveja como o chope.

ISSO POSTO, ratifico a decisão que deferiu a tutela antecipada (fls. 232/252) e julgo procedente o pedido de MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL para: 1º) determinar ao Ministério da Agricultura que condicione o registro da cerveja ou chope embalada em PET ou em outra espécie de plástico (Lei nº 8.918/94) ao licenciamento ambiental junto ao IBAMA; 2º) compelir o IBAMA a condicionar a concessão da licença ambiental a adoção, por parte dos empreendedores, de medidas eficazes, devidamente estabelecidas no EIA/RIMA, a fim de evitar os danos ambientais decorrentes da utilização de embalagens plásticas para o envase de cerveja e chope." (fls. 82/83)

A revelar a grandeza, a gravidade e a sensibilidade da matéria, é o fato da questão posta nestes estar em discussão no Parlamento através do projeto de lei nº 3341/2008, de autoria do Exmo. Deputado Federal Henrique Fontana (cópia às fls. 171/190), proposto para o fim de instituir a responsabilidade pós consumo dos fabricantes, comerciantes e distribuidores de produtos e embalagens que especifica, entre elas o polietileno tereftalato (PET).

Ao tratar do polietileno tereftalato - PET na justificação do projeto de lei, o ilustre parlamentar autor da propositura ressalta:

"É certo que, conforme já foi comentado, o Brasil consome pouco plástico em relação aos países ditos desenvolvidos. Entretanto, é de se esperar que a demanda aumente muito, devido ao baixo custo da embalagem plástica e à falta de leis que obriguem os fabricantes a recolher as embalagens produzidas, consoante o ‘princípio do berço ao túmulo’.

Esse crescimento de consumo necessita ser acompanhado por um bom planejamento quanto à gestão dos resíduos plásticos, pois caso contrário teremos conseqüências semelhantes àquelas já vividas em países que desenvolveram as embalagens plásticas apenas pela ótica de economia de mercado, sem considerar a Avaliação Ambiental de Ciclo de Vida - AACV do polímero utilizado para a fabricação de embalagens. Aliás, as graves enchentes que assolam os grandes centros urbanos já constituem reflexo desse crescimento desregrado.

Dentro do aspecto de crescimento do uso de resinas plásticas para fabricação de embalagens, temos o debate sobre o uso da PET no envasamento de cerveja." (fl. 181)

O art. 225, § 1º, inciso IV, da Constituição exige estudo prévio de impacto ambiental para o desenvolvimento de atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, e como afirma Celso Antonio Pacheco Fiorillo [04], não se deve resolver o problema dos resíduos sólidos urbanos com o ataque à suas conseqüências, mas sim às causas do problema.

A prevalência da situação importa manifesta violação aos princípios da precaução e da prevenção previstos na Declaração do Meio Ambiente (ONU-Estocolmo/1972), e no art. 225 da Constituição. A ilustrar a relevância dos princípios citados, reproduzo a lição de Cristiane Derani [05]:

"Precaução é cuidado (in dúbio pro securitate). O princípio da precaução está ligado aos conceitos de afastamento de perigo e segurança das gerações futuras, como também da sustentabilidade ambiental das atividades humanas. Este princípio é a tradução da busca da proteção da existência humana, seja pela proteção de seu ambiente como pelo asseguramento da integridade da vida humana. A partir dessa premissa, deve-se também considerar não só o risco iminente de uma determinada atividade como também os riscos futuros decorrentes de empreendimentos humanos, os quais nossa compreensão e o atual estágio de desenvolvimento da ciência jamais conseguem captar em toda densidade."

Reputo evidentes e inquestionáveis os sinais da aparência do bom direito da pretensão deduzida, me parecendo certo, também, o risco de ocorrência dano irrecuperável ou de difícil reparação no aguardo da solução definitiva no fato de, a prosperar a situação retratada às fls. 86/89 e 100, a cervejaria permanecerá colocando no mercado bebidas alcoólicas, agora mistas (chopp claro e escuro – com aromas de limão e caramelo – e outras), envasadas em embalagens PET sem o prévio estudo de impacto ambiental.

Vale lembrar que referido estudo é imprescindível para assentamento das providências que a cervejaria deverá adotar para que as garrafas PET não contaminem o ambiente, ou as medidas que devem ser adotadas para que ocorra o mínimo impacto, e que os impactos inevitáveis sejam compensados. Nesse passo, emerge oportuna a transcrição de trecho de artigo da lavra de Washington Novaes "Bebendo, Comendo e fazendo sujeira", publicado em "O Estado de São Paulo" de 12.10.2007 [06]:

"Na semana passada, o Ministério Público Federal em São Paulo recomendou ao Conselho Estadual do Meio Ambiente que suspenda a realização de audiência pública sobre o novo aterro de resíduos, destinado a substituir os Aterros São João e Bandeirantes, já esgotados, para os quais se destinavam mais de 10 mil toneladas diárias de lixo da capital. Porque os cidadãos têm dificuldade para acessar as mil páginas do estudo de impacto ambiental das novas instalações. E enquanto ele é não é licenciado, que se fará com o lixo paulistano?

É um tema para o qual a atenção dos quase 11 milhões de habitantes da cidade deveria estar voltada prioritariamente. Mas não está, como em geral não está para as questões do lixo em geral. Por exemplo: quem sabe que cada pessoa produz a cada ano em média dez vezes o peso de seu corpo? Quem sabe que esta semana se esgotou o prazo para participar da consulta pública que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) promoveu para definir critérios na reciclagem de embalagens e equipamentos de pet (polietileno tereftalato)? Quem sabe que são de pet 80,5% dos cerca de 10 bilhões de embalagens de refrigerantes (fora as de alimentos e outras) que circulam a cada ano no País e que pouco menos de 50% delas são recicladas - o restante vai para aterros, entupir as redes urbanas de drenagem ou o leito dos cursos d’água (como mostrou Elisangela Roxo neste jornal, em 8/9)? Quem sabe que a produção de cerveja (9,06 bilhões de litros anuais), hoje majoritariamente engarrafada em vidro (70%), alumínio (27%) e garrafas long neck (3%), pode, por questões de custos, transferir-se para o pet, gerando, nesse caso, 11 bilhões de embalagens desse tipo por ano - e impactando o recolhimento em aterros?

O tema gerou discussões importantes num fórum sobre os impactos do pet no meio ambiente, promovido há poucos dias em São Paulo pela Ecomarapendi e pela Águas Limpas Parati, com a participação de vários especialistas em resíduos e políticas urbanas. Por ali circulou muita informação que pode ajudar a criar uma consciência social sobre o tema e a necessidade de políticas e legislação na área.

Na média, o pet já responde por uns 5% do lixo urbano no País. Mas poderá ser muito mais se a cerveja deixar de ser engarrafada em vidro, principalmente, como é hoje, já que a embalagem de vidro pode ser reutilizada até 30 vezes, enquanto a de pet ou tem de ser reciclada a cada uso ou aumenta o lixo nos aterros. Mas entram também nas contas os custos de transporte de retorno, lavagem e outros, que favorecem o pet, que dispensa isso. Essas e outras razões fizeram o uso de garrafas pet para alimentos e bebidas aumentar 450% entre 1994 e 2005, segundo o professor Sabetai Calderoni, da USP. Porque ele tem crescido sem regulamentação. Há projetos no Congresso, como o do deputado Jovair Arantes, que proíbe o uso de garrafas desse tipo. Mas está parado.

Enquanto nada acontece, elas vão sendo levadas para aterros (na melhor das hipóteses), onde podem levar um século para se degradar, segundo as estimativas mencionadas pelo especialista Cícero Bley Jr. Que lembrou certa resistência dos cerca de 500 mil catadores em atividade no Brasil para trabalhar com o pet, porque, com maior volume, ele tem menor peso e menor preço (entre 80 centavos e um real por quilo) que o papelão, por exemplo. Mesmo na reciclagem, são muitos os problemas: é preciso retirar a tampa e o gargalo; as tintas dos rótulos, que não são biodegradáveis nem removidas pelas lagoas de sedimentação, tendem a espalhar metais pesados que vão para os cursos d’água; e a cola dos rótulos confere ao pet reciclado uma coloração que dificulta seu aproveitamento. Não é por acaso, assim, que uma parcela considerável dessas embalagens acabe entupindo as drenagens urbanas (90 mil por dia numa cidade como Brasília, lembrou a professora Maria do Carmo Lima Bezerra, da UnB) ou indo diretamente para os rios.

Diante de tantas questões, seria indispensável haver uma política para destinação final desses resíduos, que impedisse que os custos continuem a ser atribuídos a toda a sociedade, e não aos produtores das embalagens e/ou consumidores dos produtos."

Pelos elementos de convicção expostos, considerando o fato de a natureza estar dando manifestos sinais de exaustão [07], presentes os requisitos inscritos no art. 12 da Lei nº 7.347/1985, defiro a liminar para, até ulterior deliberação, determinar à CERVEJARIA BELCO S.A. a obrigação de fazer consistente em não envasar e não comercializar qualquer tipo de bebida alcoólica por mistura - como licor, bebida alcoólica mista, batida, caipirinha, bebida alcoólica composta, aperitivo, aguardente composta ou outros -, com embalagens em garrafa PET, vale registrar, embalagens à base de polietileno tereftalato –PET ou outro tipo de embalagem plástica, sem a existência de prévio estudo de impacto ambiental, licença ambiental do IBAMA e registro no Ministério da Agricultura (Lei nº 8.918/1994), sob pena de multa diária, que fixo em R$ 100,00 (cem reais) por embalagem PET utilizada para envase de bebida acoólica mista (como chopp claro ou escuro, licor, batida, caipirinha, bebida alcoólica composta, aperitivo, aguardente composta ou outros), sem registro ou licença ambiental expedidos pelo IBAMA.

Dê-se ciência. Cumpra-se.

Deverá o executor do mandado proceder ao registro da quantidade de garrafas PET existentes em estoque, na data da intimação desta, na sede da Cervejaria Belco S.A. no Município de São Manoel-SP, envasadas com bebidas alcoólicas mistas acima explicitadas, bem como a quantidade de embalagens PET vazias/não envasadas existentes em estoque no mesmo local e na mesma data, certificando.

Na forma do art. 2º da Lei nº 8.437/1992, com urgência, intime-se pessoalmente a União para, no prazo de setenta e duas horas, manifestar-se sobre o pedido de liminar.

Cite-se a Cervejaria Belco S.A. para, querendo, apresentar resposta no prazo legal.

Bauru-SP, 18 de maio de 2009.

Roberto Lemos dos Santos Filho

Juiz Federal


Notas

  1. Confira-se: BERMUDES, Sergio. A reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996, 2ª edição, p. 91.
  2. Ao cuidar do princípio da prevenção, ensina Michel Prier: "La prévention consiste à empêcher la survenance d´atteintes à l´environement par des mesures appropriées dites préventives avant l´élaboration d´un plan ou la réalisation d´un ouvrage ou d´une activité. L´action préventive est une action anticipatrice et a priori qui, depuis fort longtemps, est préférée aux mesures a posteriori du type réparation, restauration ou répression qui interviennent après une atteinte avérée à l´environnement. On a parfois opposé les deux types de mesures. En réalité elles ne sont pas exclusives mais complémentaires car il n´ est pas toujours possible de tout prévoir." (Droit de l’environnement, Dallos, 2001, 4ª edição, p. 670).
  3. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 41-42.
  4. Obra citada p. 146.
  5. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 167.
  6. Disponível em http://www.ecodebate.com.br/2007/10/15/bebendo-comendo-e-gerando-problemas-por-washington-novaes/ (visitado aos 17.05.2009)
  7. Sobre o assunto, confira-se artigo de autoria de Wilson Correa, Doutor pela Unicamp, professor na Universidade Federal do Tocantins (disponível em http://www.dm.com.br/impresso/7696/opiniao/57436,chuvas_em_santa_catarina_um_alerta_da_natureza - visitado em 17.05.2009 -, que reproduzo em parte: "Nas idades Antiga e Medieval, parece ter prevalecido o paradigma em que o ser humano não se colocava como um ferrenho explorador do planeta Terra. Segundo os pressupostos da metafísica então prevalente, o humano era um ser contemplativo, que se integrava ao mundo, à semelhança de um olho observador: às vezes, intrigado; às vezes, encantado.

Com a consolidação da Idade Moderna, aquele conhecimento metafísico, filosófico-teológico, foi sendo superado aos poucos. Aquele saber teocêntrico e veiculador de um incentivo à apreciação da dimensão estética do mundo cedeu lugar ao conhecimento científico positivista.

Chegava, então, a vez de a ciência dar as cartas. Não qualquer ciência, mas aquela que pudesse instrumentalizar o humano ativo, empreendedor e explorador do mundo natural e humano. Com esse interesse imediato, voltado para a transformação do mundo, a ciência dedica-se a associar saberes teóricos a uma nova ética para possibilitar a consolidação de um robusto saber fazer. Dava-se, assim, o casamento entre ciência e técnica, e nós, ocidentais, passamos a conviver com isso que hoje denominamos tecnocienticismo.

O tecnocienticismo passou a ser a visão de mundo moderna, na qual, em lugar do teocentrismo, passamos a ter o antropocentrismo; em lugar da contemplação, a ação; em vez da ética do ser, a ética do ter.

Lucrar a qualquer preço, acumular de maneira desmedida, consumir desbragadamente, competir depredadoramente e viver intensamente para a matéria passaram a ser os imperativos que sustentam o capitalismo como sistema econômico, o qual sempre foi apoiado pela democracia representativa e pela moral individualista que tanto nos assediam na contemporaneidade. Claro que esses mandamentos guiam o homem moderno, dogmaticamente, e o mobiliza para intervir no mundo, de maneira a transformar tudo em mercadoria, em bem vendável e em fonte de lucro e acumulação, e é exatamente esse modo de agir que está exaurindo o mundo. A natureza, por conta da exploração intensa e ininterrupta, predatória e desarrazoada, demonstra-se em estado de esgotamento, ao ponto de estudos atuais apontarem para a possibilidade de extinção da raça humana e para o fim do mundo causado pelo próprio ser humano."



Autos nº 2009.61.11.000427-2

Vistos.

Cumprido o comando do art. 2º da Lei nº 8.437/1992, a União manifestou-se às fls. 241/257 onde, em suma, argumentou a impossibilidade de concessão de tutela antecipada de acordo com o preconizado pelo art. 1º da Lei nº 9.494/1997, aludiu a ausência de verossimilhança e de perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, e sustentou a incompetência deste Juízo para o deslinde da questão posta.

Compreendo que o suscitado óbice legal ao exame do pedido de liminar não tem aplicabilidade ao caso, em razão da espécie não estar amoldada às hipóteses previstas no art. 1º da Lei nº 8.437/1992, e diante de precedentes jurisprudenciais no sentido de a decisão proferida pela Excelsa Corte na ADC nº 4 referir-se exclusivamente às situações previstas no art. 1º da Lei nº 9.494/1997.

Nesse sentido é a orientação da jurisprudência do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, como se infere das ementas que reproduzo:

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. TUTELA ANTECIPADA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. MANUTENÇÃO DA VPNI JÁ INCORPORADA. VIOLAÇÃO DO ART. 1º DA LEI 9494/97. NÃO CARACTERIZAÇÃO. VIOLAÇÃO DO ART. 273 DO CPC.

SÚMULA 7/STJ. PRECEDENTES. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Consoante interpretação firme do STJ, as vedações previstas na Lei 9.494/97 devem ser interpretadas restritivamente. Preenchidos os requisitos autorizadores de sua concessão, é admissível a antecipação dos efeitos da tutela em desfavor da Fazenda Pública, desde que a situação não esteja inserida nas vedações da supramencionada norma.

(...)

3. Agravo regimental a que se nega provimento." (AgRg no REsp 572.795/SC, Rel. Ministro Celso Limongi . Desembargador Convocado do TJ/SP, Sexta Turma, julgado em 14.04.2009, DJe 11.05.2009)

"AGRAVO REGIMENTAL. RECURSO ESPECIAL. SERVIDOR PÚBLICO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. RESTAURAÇÃO DE SITUAÇÃO ANTERIOR. POSSIBILIDADE. HIPÓTESE NÃO PREVISTA NO ART. 1º DA LEI Nº 9.494/1997.

I - É possível a concessão de tutela antecipada contra a Fazenda Pública desde que a pretensão autoral não verse sobre reclassificação, equiparação, aumento ou extensão de vantagens pecuniárias de servidores públicos ou concessão de pagamento de vencimentos. Precedentes deste e. STJ.

III- Agravo regimental desprovido." (AgRg no REsp 945.775/DF, Rel. Ministro Felix Fischer, DJe 16.02.2009)

"ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – INDENIZAÇÃO – FAZENDA PÚBLICA – ANTECIPAÇÃO DE TUTELA – VEDAÇÃO DO ART. 1º DA LEI N. 9.494/97 – INAPLICABILIDADE – NATUREZA ALIMENTAR DO DÉBITO – PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS – ENUNCIADO 7 DA SÚMULA DESTA CORTE.

1. A antecipação de tutela em desfavor da Fazenda Pública pode ser concedida, quando a situação não está inserida nas impeditivas hipóteses do art. 1º da Lei n. 9.494/97. Precedentes.

2. É entendimento deste Tribunal que o referido artigo deve ser interpretado de forma restritiva, de modo a não existir vedação legal à concessão de antecipação dos efeitos da tutela contra a Fazenda Pública nas hipóteses em que envolvam o pagamento de verba de natureza alimentar, como ocorre no presente caso.

(...)

5. Este Tribunal tem admitido a concessão de medidas liminares de natureza satisfativa, excepcionalmente, face às peculiaridades do caso concreto. Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 726.697/PE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 18.12.2008)

Reafirmando meu entender no sentido de a presente ação civil pública possuir natureza preventiva, e ratificando integralmente os argumentos expostos na decisão de fls. 208/229, em respeito aos princípios da ubigüidade, da precaução e da prevenção, desacolho a prejudicial argüida pela União relacionada à incompetência desta 8ª Subseção da Justiça Federal de são Paulo para o processo e julgamento desta ação.

Com relação às demais questões suscitadas pela União às fls. 241/257, observo que nesta etapa processual será realizado o exame do pedido de liminar que foi assim formulado pelo Ministério Público Federal:

"(...) determinar a suspensão do registro do produto ‘bebida alcoólica mista’ em nome da empresa Cervejaria Belco, bem como proibir essa empresa de envasar e comercializar tal item em embalagem PET antes do licenciamento ambiental junto ao IBAMA (Lei nº 8.918/94)" (fl. 12).

"(...) seja concedida tutela liminar determinando obrigação de não fazer à co-ré União, no sentido de que não conceda (notadamente através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) autorização e registro para a co-ré Cervejaria Belco S/A envasar qualquer tipo de bebida alcoólica por mistura (v.g.: licor, bebida alcoólica mista, batida, caipirinha, bebida alcoólica composta, aperitivo, aguardente composta etc.), para envasilhamento com embalagens em garrafa PET (à base de polietileno tereftalato) ou embalagem plástica, sem prévio estudo de impacto ambiental, sob pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada dia de manutenção do aludido registro (art. 287, CPC)" (aditamento fl. 149).

Reputo evidentes os contornos da aparência do bom direito, no fato de a União não ter trazido aos autos prova da existência de estudo comprobatório da inexistência de risco de ocorrência de dano ambiental na colocação no mercado de bebidas alcoólicas mistas envasadas em garrafas PET, e tampouco da existência de procedimento apto a assegurar que eventuais danos inevitáveis sejam compensados.

A União aduziu não existir nas normas de regência obrigatoriedade de realização de estudo de impacto ambiental para comercialização de bebidas alcoólicas mistas em garrafas PET. Penso que a inexistência de comando legal específico não pode legitimar a prática preventivamente combatida, em consonância com a abalizada lição de José Afonso da Silva [01] que ao tratar dos casos de estudo de impacto ambiental afirma:

"A Constituição quer estudo prévio de impacto ambiental para a instalação de obra e atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente. Deixou para a legislação ordinária a especificação dos casos concretos em deverá obrigatoriamente se elaborado. O Decreto 88.351/83 (art. 18, § 4º) incumbiu ao Conselho Nacional do Meio Ambiente-CONAMA de fixar os critérios básicos segundo os quais serão exigidos estudos de impacto ambiental para fins de licenciamento de atividades. Daí proveio a resolução 001, de 23.1.1986, que exige o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente, tais como:

(...)

Essa enumeração casuística é puramente exemplificativa, nem poderia ser diferente, porque a Constituição não admite limitação taxativa dos casos de estudo de impacto ambiental. Qualquer que seja a obra ou a atividade, pública ou particular, que possa apresentar riscos de degradação significativa ao meio ambiente fica sujeita à sua prévia elaboração."

Lembro que a teor do disposto no art. 225, § 1º, inciso IV, da Constituição, incumbe ao Poder Público exigir estudo de impacto ambiental para instalação de atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente.

Entretanto, como já afirmado, a União não demonstrou nos autos que as garrafas PET utilizadas pela cervejaria para envasamento das bebidas alcoólicas mistas que comercializa não podem causar importante afetação prejudicial ao meio ambiente.

Nesse passo, emerge oportuno trazer à colação as ponderações do eminente Juiz Federal Heraldo Garcia Vitta [02], que ao tratar do princípio da precaução ressalta:

"Como explica Michel Prieur, em face da irreversibilidade de danos ao meio ambiente, e devido à incerteza científica em casos complexos, surgiu nova forma de prevenção da sociedade, contra riscos desconhecidos ou incertos. Ou seja, nos ensinamentos do mesmo Autor, a ‘ignorância’ a respeito das conseqüências exatas ao ambiente, decorrentes da atividade do homem, não impede providências severas para proteger o meio ambiente em que ele vive.

Também chamado de princípio da prevenção, ou cautela, o princípio da precaução foi acolhido, expressamente, na Declaração do Rio de Janeiro, em 1992, nos seguintes termos:

‘De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.’(...)"

Cumpre mais uma vez ressaltar que, como consignado na decisão de fls. 208/229, o potencial lesivo das garrafas PET ao meio ambiente foi reconhecido na r. sentença proferida pelo ilustre Juiz Federal Luiz Antonio Ribeiro Marins na ação civil pública nº 2002.61.11.001467-2 (cópia às fls. 72/84), nos seguintes termos:

"(...) Sobre as embalagens PET, Renata Valt, engenheira química e autora do Renata Valt, engenheira química e autora do livro ‘CICLO DA VIDA DE EMBALAGENS PARA BEBIDAS NO BRASIL’, explica que demora cerca de 100 anos para a embalagem se decompor e, apesar de ser 100% reciclável, o PET reciclado ainda não pode ser reutilizado diretamente na embalagem de alimentos e bebidas - o seu maior mercado consumidor - por questões de contaminação. E, além disso, é mais barato para a indústria comprar a resina de PET virgem em vez da reciclada.

Nos termos da Resolução do Conama n° 01/86, o licenciamento de atividades modificadoras do meio ambiente depende da elaboração de estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto ambiental - RIMA, a serem submetidos à aprovação do órgão estadual competente, e do IBAMA em caráter supletivo."

Os elementos analisados me fazem concluir patente a aparência do bom direito da pretensão deduzida, também no que toca à União, se me afigurando interessante reproduzir conclusão do estudioso magistrado Heraldo Garcia Vitta [03] que, mudando o que deve ser mudado, penso ser de todo aplicável à espécie:

"(...) pelo fato de tratar-se de omissão, a responsabilidade é subjetiva. Vale dizer, deve-se provar a efetiva culpa ou dolo da entidade política que se omite no dever estabelecido na Constituição.

A respeito dos danos por omissão do Estado, aduz Celso Antonio Bandeira de Mello: ‘Com efeito, se o Estado não agiu, não pode, logicamente, ser ele o autor do dano. E, se não foi o autor, só cabe responsabilizá-lo caso esteja obrigado a impedir o dano. Isto é: só faz sentido responsabilizá-lo se descumpriu dever legal que lhe impunha obstar ao evento lesivo’.

Uma vez chamado a cumprir o dever normativo-constitucional, se o ente político se abstiver, culposa ou dolosamente, poderá ser responsabilizado, mediante a devida reparação de dano: ‘A nosso ver, portanto, cabe responsabilizar os Estados-membros, ou outros entes políticos, pela omissão ou deficiência na fiscalização e proteção ao meio ambiente, em moldes idênticos à responsabilidade por omissão em qualquer caso."

Presentes, portanto, os contornos da aparência do bom direito, me parece certo o risco de dano irreparável ou de difícil reparação, visto que, caso não assegurada a liminar, permanecerão sendo colocadas no mercado bebidas alcoólicas mistas envasadas em garrafas PET, em potencial e ainda inestimável, por falta de estudo de impacto ambiental, prejuízo ao meio ambiente.

É impositiva a realização de estudo de impacto ambiental para que, como registrado às fls. 223/224, sejam assentadas as providências necessárias para que as garrafas PET não contaminem o ambiente, ou estabelecidas medidas a serem adotadas para que ocorra o mínimo impacto, e que os impactos inevitáveis sejam compensados. Em remate, destaco a seguinte lição de Cristiane Derani [04]:

"Os desejos e a criatividade humanos são infinitos, o ambiente e os recursos de que se vale o homem para a realização destes desejos são finitos. Esta máxima, acompanhada por valores de respeito e solidariedade social e atenção à manutenção dos processos ecológicos, seria o ponto de partida para consecução de políticas de bem-estar, e aumento de qualidade de vida, razão final do princípio da precaução. Ao objetivo de toda atividade deve-se contrapor o grau de risco ao ambiente e à saúde. Para Winter, meta e risco colocam-se lado a lado em estreito relacionamento.

A elaboração de políticas públicas, incluindo as normativas, e a efetivação de avaliações de impacto ambiental, voltadas à conservação dos recursos naturais, além da realização dos objetivos da República Federativa do Brasil (art. 3º, CF) podem conduzir à concretização do afirmado por Gerd Winter. Na sua perspectiva, não se partiria de uma potencialidade de dano, pura e simplesmente, ms se traria à discussão a própria razão da atividade em pauta: necessidade, o objetivo do que se pretende empreender. Em resumo, o critério geral para a realização de determinada atividade seria a sua ‘necessidade’ sob o ponto de vista de melhora e não prejudicialidade da qualidade de vida."

Pelo exposto, e ratificando e acrescendo a esta os fundamentos expostos na decisão proferida às fls. 208/229, com base no art. 12 da Lei nº 7.347/1995, defiro a liminar para, até ulterior deliberação:

1.determinar à União a adoção do necessário para a suspensão do registro do produto "bebida alcoólica mista para envasilhamento em garrafa PET" em nome da empresa Cervejaria Belco S.A., até que comprovada a obtenção de licenciamento ambiental junto ao IBAMA;

2. determinar à União que se abstenha de conceder, notadamente através do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, autorização e registro para a co-ré Cervejaria Belco S.A. envasar qualquer tipo de bebida alcoólica por mistura (licor, bebida alcoólica mista, batida, caipirinha, bebida alcoólica composta, aperitivo, aguardente composta etc.), para envasilhamento com embalagens em garrafa PET (à base de polietileno tereftalato) ou embalagem plástica, sem prévio estudo de impacto ambiental e licenciamento junto ao IBAMA.

Para hipótese de descumprimento, fixo pena de multa de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por cada dia de manutenção do aludido registro, como requerido pelo Ministério Público Federal. Dê-se ciência. Cite-se a União. Comunique-se a prolação desta e da decisão de fls. 208/229 ao MD. Desembargador Federal relator do recurso de agravo cuja interposição foi comunicada à fl. 151.

Bauru-SP, 27 de maio de 2009.

Roberto Lemos dos Santos Filho

Juiz Federal


Notas

  1. SILVA, José Afonso da. Direito ambiental constitucional. São Paulo: Malheiros, 1995, 2ª edição, p. 197-199, grifo nosso.
  2. VITTA, Heraldo Garcia. Responsabilidade civil e administrativa por dano ambiental. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 40.
  3. Obra citada p. 96 – grifo nosso.
  4. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 168.
  5. Confira-se: BERMUDES, Sergio. A reforma do código de processo civil. São Paulo: Saraiva, 1996, 2ª edição, p. 91.
  6. Ao cuidar do princípio da prevenção, ensina Michel Prier: "La prévention consiste à empêcher la survenance d´atteintes à l´environement par des mesures appropriées dites préventives avant l´élaboration d´un plan ou la réalisation d´un ouvrage ou d´une activité. L´action préventive est une action anticipatrice et a priori qui, depuis fort longtemps, est préférée aux mesures a posteriori du type réparation, restauration ou répression qui interviennent après une atteinte avérée à l´environnement. On a parfois opposé les deux types de mesures. En réalité elles ne sont pas exclusives mais complémentaires car il n´ est pas toujours possible de tout prévoir." (Droit de l’environnement, Dallos, 2001, 4ª edição, p. 670).
  7. FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 41-42.
  8. Obra citada p. 146.
  9. DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 167.
  10. Disponível em http://www.ecodebate.com.br/2007/10/15/bebendo-comendo-e-gerando-problemas-por-washington-novaes/ (visitado aos 17.05.2009)
  11. Sobre o assunto, confira-se artigo de autoria de Wilson Correa, Doutor pela Unicamp, professor na Universidade Federal do Tocantins (disponível em http://www.dm.com.br/impresso/7696/opiniao/57436,chuvas_em_santa_catarina_um_alerta_da_natureza - visitado em 17.05.2009 -, que reproduzo em parte: "Nas idades Antiga e Medieval, parece ter prevalecido o paradigma em que o ser humano não se colocava como um ferrenho explorador do planeta Terra. Segundo os pressupostos da metafísica então prevalente, o humano era um ser contemplativo, que se integrava ao mundo, à semelhança de um olho observador: às vezes, intrigado; às vezes, encantado.

Com a consolidação da Idade Moderna, aquele conhecimento metafísico, filosófico-teológico, foi sendo superado aos poucos. Aquele saber teocêntrico e veiculador de um incentivo à apreciação da dimensão estética do mundo cedeu lugar ao conhecimento científico positivista.

Chegava, então, a vez de a ciência dar as cartas. Não qualquer ciência, mas aquela que pudesse instrumentalizar o humano ativo, empreendedor e explorador do mundo natural e humano. Com esse interesse imediato, voltado para a transformação do mundo, a ciência dedica-se a associar saberes teóricos a uma nova ética para possibilitar a consolidação de um robusto saber fazer. Dava-se, assim, o casamento entre ciência e técnica, e nós, ocidentais, passamos a conviver com isso que hoje denominamos tecnocienticismo.

O tecnocienticismo passou a ser a visão de mundo moderna, na qual, em lugar do teocentrismo, passamos a ter o antropocentrismo; em lugar da contemplação, a ação; em vez da ética do ser, a ética do ter.

Lucrar a qualquer preço, acumular de maneira desmedida, consumir desbragadamente, competir depredadoramente e viver intensamente para a matéria passaram a ser os imperativos que sustentam o capitalismo como sistema econômico, o qual sempre foi apoiado pela democracia representativa e pela moral individualista que tanto nos assediam na contemporaneidade. Claro que esses mandamentos guiam o homem moderno, dogmaticamente, e o mobiliza para intervir no mundo, de maneira a transformar tudo em mercadoria, em bem vendável e em fonte de lucro e acumulação, e é exatamente esse modo de agir que está exaurindo o mundo. A natureza, por conta da exploração intensa e ininterrupta, predatória e desarrazoada, demonstra-se em estado de esgotamento, ao ponto de estudos atuais apontarem para a possibilidade de extinção da raça humana e para o fim do mundo causado pelo próprio ser humano."


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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

Liminares proíbem bebidas alcoólicas em garrafa PET. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2249, 28 ago. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16899. Acesso em: 18 maio 2024.