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Fontes do Direito à luz dos ensinamentos de Miguel Reale

Fontes do Direito à luz dos ensinamentos de Miguel Reale

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Resumo: O presente trabalho abordará tema de importância elevada, não obstante tão ignorado nas faculdades de direito brasileiras. É uma apresentação das Fontes do Direito. O objetivo de tal trabalho é ser preciso e claro o suficiente para instigar os novatos na Ciência Jurídica, conceituando o que é fonte de direito e mostrando as quatro fontes de direito à luz das lições do nosso grande jurista Miguel Reale, para sob sua influência prosseguirmos seguros na caminhada jurídica. De acordo com a metodologia empregada, a pesquisa é bibliográfica, sendo feita uma análise qualitativa, pois dessa maneira poderá nos dá uma visão rápida, mas ampla do tema proposto.

Palavras-chave: Miguel Reale. Fonte de direito: fonte material e fonte formal. Usos e costumes jurídicos e Processo Legislativo. Jurisprudência e Fonte Negocial.


INTRODUÇÃO

Num livro que acredito ser indispensável para sermos introduzidos e dá o ponta pé inicial, firme, no Direito (caso queiramos ter uma base sólida), aprendemos que o estudo das fontes do direito é de grande importância, além de ser muito instigante. No livro Lições Preliminares de Direito, Miguel Reale escreve sobre as fontes em três capítulos.

De início precisamos conceituar provisoriamente o que é fonte de direito, sempre tendo por guia os ensinamentos do mestre. Fontes de direito são os processos pelos quais as normas jurídicas são produzidas, feitas. Esses processos de produção das normas jurídicas sempre pressupõem uma estrutura de poder, a qual garante que seja exigida o cumprimento das normas. Então, dum modo claro: para cada fonte de direito (são quatro), uma forma de poder.

Para exemplificar, vou citar uma fonte de direito e a respectiva forma de poder: o processo legislativo é uma fonte de direito (Ou seja, o processo legislativo produz norma jurídica, produz a Lei), e a forma de poder que o pressupõem é o Poder Legislativo. Observe que a fonte de direito não surge do nada, está amparada, por assim dizer, por um Poder que a legitima para a devida produção da norma e faz com que a norma tenha um mínimo de garantia que será adimplida.

Neste livro já mencionado, nos capítulos iniciais, ao diferençar o Direito da Moral aprendemos que o Direito e a força estão intimamente ligados. No Direito há coação[2], já a Moral é incoercível, pois só se pratica um ato moral na sua autenticidade máxima, se o próprio espírito aderiu àquele ato. Nunca será por que terceiros obrigaram a fazê-lo.

O que distingue o Direito da Moral conforme ensina Miguel Reale é a coercibilidade. Essa coercibilidade é a expressão técnica para nos mostrar que existe uma compatibilização do Direito com a força. A força não está presente em toda a experiência jurídica, mas ela é sempre em potencial, conforme a Teoria da Coercibilidade[3].

Fizemos questão de mencionar essa intimidade do Direito com a força para fazer uma seguinte observação: Reale diz que a fonte de direito sempre pressupõe um poder. Nada mais intimo ao poder que a força, não é mesmo? O dicionário não me deixa mentir, se abrirmos o Priberam Online e pesquisar pela palavra poder veremos que um dos seus inúmeros significado é ter força. Então, a fonte de direito (que produz a norma) não poderia produzir sem que um poder, sem que uma força o amparasse, por isso creio que o nosso escritor está corretíssimo ao mencionar que para cada fonte de direito uma forma de poder, e inclusive ter deixado de fora a doutrina, uma vez que esta, apesar de ser considerada por muitos como fonte de direito, não o é, pois não se desenvolve em uma estrutura de poder.

Por isso vamos neste artigo apresentar as quatro fontes segundo as lições de Miguel Reale, pois até agora, na nossa breve experiência na Ciência Jurídica ninguém explicou melhor o que é a fonte de direito. Quero compartilhar com vocês.


1. FONTE MATERIAL E FONTE FORMAL DE DIREITO: DISTINÇÃO QUE GERA EQUIVÓCOS

Miguel Reale menciona que a distinção entre fonte material e fonte formal tem dado causa a grandes equívocos na Ciência Jurídica, motivo pelo qual esclarece-nos desde já que por fontes de direito devemos entender que são os processos de produção de normas jurídicas (REALE, 2002, P. 139).

Quando nós, homens, indagamos acerca de quais seriam as motivações que levaram o legislador a elaborar uma determinada lei, quais suas razões últimas, qual o motivo lógico ou moral que ampararam o legislador nessa tarefa, qual a intenção de sua criação etc. estaremos diante de uma pesquisa filosófica ou ética; e, quando fazemos perguntas sobre quais são as causas imediatas daquela lei, estamos diante de uma pesquisa sociológica, a título de exemplo, no que diz respeito a esta última forma de pesquisa, se indagarmos quais seriam as causas imediatas das leis promulgadas no estado pandêmico 2020-2021 que vivenciamos, poderíamos responder que as causas imediatas são sanitárias, econômicas, higiênicas e assim por diante. Pois estas leis são devidas a fatores econômicos transitórios e devido a exigências sanitárias e higiênicas a fim de que se evite a contaminação pelo vírus. Não vamos entrar no mérito se algumas leis são válidas ou não.

Mas o que isso tem a ver com fonte material e fonte formal de direito? Ora, fonte material não é senão o estudo filosófico ou sociológico do aparecimento ou transformações das regras jurídicas. É a indagação acerca dos motivos éticos ou sociais do surgimento das normas jurídicas, por isso fonte material de direito não diz respeito, propriamente dito, a Ciência Jurídica, mas a Filosofia e a Sociologia (em especial, a filosofia jurídica e a sociologia jurídica).

Por isso, o nosso escritor esclarece que para fonte de direito é melhor usarmos uma única acepção (e não mais dividirmos fonte de direito em fonte material e formal), circunscrita no próprio Direito. Leia com atenção a seguinte definição de fonte do direito:

Por fonte do direito designamos os processos ou meios em virtude dos quais as regras jurídicas se positivam com legítima força obrigatória, isto é, com vigência e eficácia no contexto de uma estrutura normativa. O direito resulta de um complexo de fatores que a Filosofia e Sociologia estudam, mas se manifesta, como ordenação vigente e eficaz, através de certas formas, diríamos mesmo de certas fôrmas, ou estruturas normativas, que são o processo legislativo, os usos e costumes jurídicos, a atividade jurisdicional e o ato negocial. (REALE, 2002, P. 140).

Mostrado a inconveniência da distinção de fonte de direito, em fonte material e fonte formal, podemos prosseguir e, seguir o conselho do autor de usarmos para fonte de direito uma única acepção.

Na citação supratranscrita, na parte final em itálico é apresentado as quatro fontes de direito, e, além disso, é-nos mostrado que o direito se apresenta como ordenação vigente e eficaz através dessas fontes de direito, ou seja, é por causa destas que as normas se tornam obrigatórias a todos.

Como creio ter demonstrado na introdução, para cada fonte de direito uma forma de poder, poder este que segundo Reale é capaz de especificar o conteúdo devido, para exigir o seu cumprimento (REALE, 2002, P. 141). Nos valemos de uma analogia, aparentemente boba, para tentar facilitar a sua compreensão: imagine que somente um forno à lenha é capaz de produzir uma verdadeira pizza. As fontes de direito são um forno à lenha e a pizza que vai ser produzida dentro daquele e sair devidamente pronta para consumo é a regra jurídica. Portanto, quem produz a regra jurídica verdadeira dotada de vigência e eficácia, para consumo, para ser utilizada, respeitada e cumprida é a fonte de direito. Somente as fontes de direito são capazes de produzir verdadeiras normas jurídicas dotadas de vigência e eficácia.

As fontes de direito produzem as regras obrigatórias, ou seja, dotadas de vigência e eficácia.

FONTES DE DIREITO

FORMAS DE PODER

Processo Legislativo

Poder Legislativo

Atividade Jurisdicional

Poder Judiciário

Usos e costumes jurídicos

Poder Social

Fonte Negocial

Poder Negocial (autonomia da vontade)

Dado as primeiras considerações sobre o tema, a distinção feita de fonte material e fonte formal e a inconveniência de tal distinção, a conceituação do que seria fonte de direito e um comentário sobre a relação das fontes e o poder, vamos a partir de agora fazer alguns comentários sobre as quatro fontes de direito apresentando-as, introdutoriamente.

É importante lembrar que não há o primado de uma em detrimento de outra, pois todas, no seu devido tempo e modo são importantes. No próximo capítulo (1) falaremos sobre Usos e costumes jurídicos e Processo Legislativo e, no capítulo seguinte (2), Jurisprudência e Fonte Negocial, seguindo a própria ordem de apresentação do temo no livro.


2. USOS E COSTUMES JURÍDICOS E PROCESSO LEGISLATIVO

Anteriormente mencionamos que nenhuma fonte de direito é superior a outra, todas são importantes. Porém, devemos relembrar que o nosso ordenamento jurídico faz parte da tradição romanística (civil law), a qual tem como característica marcante o primado do processo legislativo. Portanto, a nossa tradição, por assim dizer, sobrevaloriza a lei através do processo legislativo como a única, ou a mais autêntica forma, capaz de expressar a vontade de um povo.

Essa ideia de que a lei[3] é a única capaz de manifestar a vontade geral se desenvolve no século XVIII, com a obra de Jean Jacques Rousseau. Abro um parêntese para uma observação, pois nos parece que fica deficiente a expressão do povo quando só a norma legal tem o primado de mostrar sua vontade. Se todas as outras formas de um povo, de uma nação, expressar sua vontade não for considerada autêntica como a lei ou pelo menos ser levada em consideração como ela, estamos, na verdade, diante de uma arbitrariedade, pois os usos e costumes, bem como outras fontes de direito são capazes de revelar a vontade geral ou pelo menos nos aproximar dela, e além disso, são capazes de aproximar de fato o povo do direito, e consequentemente, fazer com que aquele [o povo] incorpore em si este [o direito], justamente porque haverá uma correspondência recíproca entre eles. Quando o Direito nasce puramente de uma abstração como estamos observando a cada dia no Estado Contemporâneo, se torna na maioria das vezes antinatural para a sociedade, fazendo com que ela não corresponda devidamente. Desculpe nossa divagação, retornemos às fontes de direito.

Ao discorrer sobre o problema das fontes do direito através da história, o nosso autor ensina que num primeiro momento (no estado primitivo do homem) o Direito já estava presente, mas misturado, não diferençado de outros elementos de natureza religiosa, moral ou utilitária. E escreve brilhantemente que são dos costumes que as regras jurídicas vão se desprender e se tornar distintas das outras regras, morais, higiênicas e assim por diante. Podemos afirmar que os costumes fora a primeira fonte de direito, e por isso o homem viveu, preliminarmente, o Direito de forma anônima (REALE, 2002, P. 144).

Sabermos que o nosso Direito faz parte da tradição do civil law e não do common law, nos mostra que, por essência, valorizamos mais a lei do que todas as outras formas de produção do direito, como por exemplo, os costumes.

É-nos necessário fazer algumas diferenças entre a lei e o costume. A lei têm sempre uma origem predeterminada e um órgão anteriormente fixado, enquanto que os usos e costumes jurídicos tem sua origem incerta, não tendo como precisar a sua origem nem a sua formação, daí Reale afirmar que o O Direito Costumeiro nasce por toda parte, de maneira anônima[4]; outra distinção básica é que a lei é sempre escrita, enquanto que na maioria das vezes o costume é não escrito.

Amigo leitor, quando uma lei preencheu todos os requisitos para a sua devida elaboração ela tem vigência (validade formal); a lei além da vigência, necessita da eficácia, que nada mais é que ser socialmente eficaz nos próprios dizeres de Reale; é justamente quando eu e você, a sociedade mesmo, reconhece aquela norma e incorpora na sua conduta. Isso demonstra a eficácia de uma norma. Dito isso, posso agora explicar a ti que a lei primeiro tem vigência e depois eficácia, enquanto que a norma costumeira antes de ter vigência tem eficácia, pois ela já é socialmente eficaz dentro da sociedade, ou seja, a vigência da norma costumeira é proveniente da eficácia.

Enfim. Quando o costume se torna Costume Jurídico? Dois requisitos são essenciais, isto é, a repetição habitual e o reconhecimento da obrigatoriedade daquela conduta por parte dos cidadãos. Não é só a mera repetição do costume que faz com que aquele se torne um costume jurídico, é necessária essa juridicidade, esse sentir de todos que aquela conduta é obrigatória. Ou seja, as pessoas acham na verdade que aquele determinado costume é lei.

Retornemos à seguinte questão: os costumes desempenham um papel fundamental no Direito e é uma fonte de direito. Já é sabido pela leitura até aqui que o Direito brasileiro prima pelas normas legais, mas não o é assim em muitas outras Nações.

Sobre a Inglaterra o nosso autor comenta que o Direito Público, no que têm de mais fundamental ou essencial, é de natureza consuetudinária provém dos costumes. Em palavras claras, não existem normas escritas que governem a vida política no país da Rainha Elizabeth II (a imortal!). Além disso (...) não possui Carta Constitucional, na qual estejam discriminados os poderes dos órgãos essenciais do Estado, nem tampouco existem declarações de princípios que desçam a minúcias, como constam, em geral, dos textos constitucionais dos países americanos [ligados à tradição do civil law] (REALE, 2002, P. 160).

Sim, isso mesmo, o parlamentarismo inglês surgiu por força dos usos e costumes.

Nos Estados Unidos da América os usos e costumes também desempenham um papel fundamental, não obstante, as regras não são totalmente costumeiras, pois têm um caráter jurisprudencial, ou seja, tornam-se obrigatórias depois de reiteradas decisões.

Sobre a nação inglesa e a nação norte-americana conclui, acertadamente:

Essas referências à experiência jurídica inglesa e norte-americana bastam para demonstrar que, em matéria de fontes, não podem prevalecer esquemas abstratos, ou puramente lógicos. Não se pode falar em primado da lei ou do costume, a não ser em função de distintos ciclos históricos, havendo variações notáveis dentro de um mesmo País, com relação a esta ou aquela outra parte do Direito. (REALE, 2002, P. 162).

No Brasil, o legislador pátrio reconheceu em 1942, através da LINDB (art. 4°), a importância do costume, afirmando que quando a lei for omissa o juiz poderá decidir com base nos costumes.

Contextualizamos, mencionamos as principais diferenças entre lei e costume, mostramos a importância dos costumes na Inglaterra e nos Estados Unidos, além fazer referência do reconhecimento por parte do legislador brasileiro da importância do costume, e, agora, vamos falar sobre o Processo Legislativo como fonte de direito, para levar a cabo este capítulo.

A lei é fonte de direito, mas afinal o que é lei? A lei tem uma acepção genérica, as espécies são leis éticas, leis sociais e as leis físico-matemáticas. As leis éticas são chamadas também de normas, e há três tipos de normas, a saber, normas morais, normas jurídicas e normas de trato social. As normas jurídicas também são chamadas de leis. Por isso muitos equívocos à volta da palavra lei.

Dito isso, podemos conceituar o que seria o sentido técnico desta palavra (lei), à luz do que escreveu nosso autor é a norma escrita que introduz algo de novo e obrigatório no ordenamento jurídico em vigor, orientando os comportamentos individuais ou as atividades públicas.

Somente a lei, nesse sentido próprio, pode inovar no ordenamento jurídico, através da sua publicação e vigência, deveres e direitos dos quais nós devemos obediência. A Constituição Federal dá a extensão do poder de legislar (ou seja, dá a extensão do poder de criar lei), ao conferir a cada ato normativo a obrigatoriedade que lhe é própria.

Esse poder de legislar vai se manifestar através de uma série de atos que compõe o processo legislativo. O artigo 59 da Constituição Federal trata Do Processo Legislativo. Os atos normativos abrangidos pelo processo normativo referido nesse artigo, são: emendas à Constituição; leis complementares; leis ordinárias; leis delegadas; medidas provisórias; decretos legislativos; e resoluções.

Todos os atos normativos que acabei de mencionar do artigo 59 da Carta Maior são considerados fonte legal; se é fonte legal, todos esses atos normativos são lei no sentido que acabei de apresentar.

Por fim, sem se aprofundar mais que isso, pois vocês aprenderão através dos seus estudos em Teoria do Estado e Teoria do Direito Constitucional, devemos saber que a rigor, fonte legal é o processo legislativo, abrangendo todos os atos normativos que o compõe.


3. JURISPRUDÊNCIA E FONTE NEGOCIAL

Já tecemos comentários sobre duas fontes de direito (costumes jurídicos e processo legislativo), agora daremos continuidade sobre as últimas duas fontes de direito, em primeiro lugar, a jurisprudência e, logo em seguida, a fonte negocial.

O que é a Jurisprudência? É típico do novato, no mundo em que vivemos hoje, na faculdade de Direito falar o seguinte: me diga um conceito fácil disso ou daquilo; para eles, dedico esta resposta: a jurisprudência é o direito descoberto, revelado pelos juízes e magistrados. Os juízes são chamados para a aplicação do Direito ao caso concreto, e dessa aplicação algumas vezes é descoberto um Direito que não estava previsto na lei, sendo causa do, principalmente por outras decisões no mesmo sentido, surgimento de jurisprudência.

Ora, assim sendo, a atividade dos juízes é eminentemente intelectual, necessitando interpretação das normas jurídicas. A jurisprudência, ou melhor, o Direito jurisprudencial não se forma com uma, duas, três decisões, mas sim de vários julgados que, nos dizeres do autor, guardam entre si uma continuidade e uma coerência.

Mas as tantas divergências jurisprudenciais não evidenciam a fragilidade da jurisprudência? (é bom lembrar que o povo, em geral, não admite, nem entendem tais mudanças; um dia uma coisa, noutro outra!). Não, não evidenciam fragilidade alguma, pelo contrário, demonstram que a atividade dos juízes não é passiva diante dos textos legais, havendo uma grande margem de poder criador que é conferido aos julgadores. Não vamos entrar aqui na questão delicadíssima e real, do ativismo judicial.

Alguém ainda irresignado, e com razão, pode-nos perguntar, mas a jurisprudência não altera bastante a lei? Pra essa pergunta, a resposta:

Depende do ponto de vista. Em tese, os tribunais são chamados a aplicar a lei e a revelar o Direito sempre através da lei. Há oportunidades, entretanto, em que o trabalho jurisprudencial vai tão longe que, de certa forma, a lei adquire sentido bem diverso do originariamente querido. (REALE, 2002. P.169).

Segundo os ensinamentos do autor, a norma jurídica é, na verdade, a sua interpretação. Isso implica que ela é aquilo que diz ser o seu significado. Alguns autores põe a jurisprudência e os costumes como fontes secundárias, mas o nosso, não; diz-nos ser inegável que a Jurisprudência é fonte do Direito pois foi dado ao juiz a possibilidade de pôr obrigatoriedade naquilo que declara ser de direito no caso concreto.

Assim, não devemos nos espantar com os contrastes e mudanças que observamos na Jurisprudência. O susto fica para o homem comum, nós, operadores de direito devemos saber que isto é próprio da experiência jurídica. Além disso, para esses contrastes há as técnicas de unificação da jurisprudência[5].

Para finalizar, irei agora falar sobre uma das mais interessantes fontes de direito para mim que, aliás, não têm a devida atenção daqueles que ministram aulas de noções preliminares de Direito.

A Fonte Negocial se desenvolve em uma estrutura de poder (poder negocial), este poder é uma força capaz, também, de gerar normas jurídicas.

Dentro da experiência jurídica, já é aceito e professado por muitos jurisconsultos que não há somente normas genéricas, mas também normas particulares e individualizadas. Primeiramente, em relação as normas particulares , como o próprio nome indicia, são normas feitas para determinadas pessoas, é o que acontece, por exemplo, num contrato; e em segundo, normas individualizadas são aquelas que declaram certo as normas particulares, como é caso de uma sentença judicial, a título de exemplo.

Dentro das normas particulares, se insere as normas negociais, e dentro destas, as normas contratuais, chamada e conhecida por todos de cláusula contratual. Se observarmos, as cláusulas contratuais literalmente criam uma norma, é certo que é uma norma criada nos limites da própria lei e para os participantes daquela relação jurídica. Alguém pode dizer: não cria não, pois um contrato de compra e venda, por exemplo, só segue o modelo que está previsto no próprio Código Civil, nós respondemos: sim, mas nada impede que seja feito um negócio com estrutura atípica, ou seja, não prevista em lei. Nos seus estudos de Direito dos Contratos verá. E não seria só porque se submete ao previsto em lei que faria com que não fosse uma fonte de direito, pois com esse raciocínio extremado seríamos levados à ideia de que só a lei constitucional seria fonte de direito (pois sabemos que todas as outras, deve submeter-se à ela).

Por qual motivo nós dissemos ser esta fonte de direito, ao nosso ver, a mais interessante (não que seja a mais importante)? Justamente, porque pela própria natureza da vida humana, os homens são capazes de estipularem entre si negócios para alcançarem um determinado fim, lícito, obviamente. É o que tecnicamente conhecemos por nome de autonomia da vontade, e a qual o nosso autor diz ser uma conquista impostergável da civilização. A autonomia da vontade se materializa no poder negocial.

Esse poder negocial resguarda e possibilita a atuação privada do homem de agir livremente dentro dos limites das leis vigentes. O fato é que o avençado entre os homens num determinado negócio jurídico irão vincula-los e, assim, estarão obrigados a cumpri-lo.

Por livre escolha todos nós fazemos nascer modelos jurídicos de ação (normas contratuais). Como vimos na introdução, é essencial para que se conceitue fonte de direito, que esta se desenvolva numa estrutura de poder; é o que acontece com a Fonte Negocial que se desenvolve numa estrutura de Poder Negocial.


4. A DOUTRINA NÃO É FONTE DE DIREITO?

A doutrina não é fonte de direito. São inúmeros autores renomados que excluem a doutrina como fonte de direito, Miguel Reale é um deles. As explicações para essa exclusão são as mais variadas, mas o nosso autor, em resumo, argumenta que a doutrina não se desenvolve em uma estrutura de poder, portanto, não é fonte de direito. Como creio que tenha apreendido, para se conceituar uma fonte de direito é necessário que esta tenha como pressuposto uma forma de poder.

A rigor, portanto, a doutrina não é uma fonte de direito. É claro, que a doutrina tem um papel fundamental na experiência jurídica. A sua função é importante, mas de outra natureza:

A doutrina produz modelos dogmáticos, isto é, esquemas teóricos, cuja finalidade é determinar: a) como as fontes podem produzir modelos jurídicos válidos; b) que é que estes modelos significam; e c) como eles se correlacionam entre si para compor figuras, institutos e sistemas, ou seja, modelos de mais amplo repertório. (REALE, 2002. P. 176).

Em resumidas palavras, fique com o entendimento que: a doutrina serve como ajuda para os legisladores produzirem as normas, bem como, auxílio na interpretação e aplicação das normas pelos operadores do direito.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante do que foi apresentado, ao analisarmos introdutoriamente as fontes de direito à luz dos ensinamentos de Miguel Reale creio ter esclarecido pontos importantes, quais sejam, que a distinção em fonte material e fonte formal causa grandes equívocos na Ciência Jurídica por isso o melhor é que se tenha uma única acepção para fonte de direito; que os costumes desempenham um papel fundamental em muitos países, como por exemplo os Estados Unidos da América e em especial a Inglaterra, e podemos dizer que no nosso também, pois é reconhecido a sua importância pelo legislador pátrio na Lei de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, ao proferir que na omissão da lei pode-se usar os costumes afim de que se der a melhor solução; além de comentários, apreendidos pelos escritos do nosso autor, sobre o processo legislativo, a jurisprudência e a fonte negocial, bem como, o motivo de não considerarmos a doutrina como fonte de direito, apesar da sua grande importância para o mundo jurídico.

O intuito principal foi preservar os escritos desse, quase esquecido, grande autor brasileiro. Tentei ser preciso e breve, mas não deixando de ser profundo, instigando, em especial os novatos. Além disso, deve servir como o ponta pé inicial, um despertar do interesse, para um estudo mais detido da matéria.

Portanto, creio que este artigo possa contribuir para que os ensinamentos jurídicos deste autor não caiam em esquecimento dos estudantes brasileiros de direito, de agora e do porvir. É preciso conservar o que é bom, até porque não é o futuro que nos puxa, mas o passado que empurra. Portanto, precisamos ser empurrados para frente por grandes pessoas, como é o caso de Miguel Reale.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª edição, 22ª tiragem São Paulo: Saraiva, 2002. 391.p.

REALE, Miguel. Teoria do direito e do Estado. 5ª edição, São Paulo: Saraiva, 2000. 415.p.

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 19ª edição, 3ª tiragem São Paulo: Saraiva, 1999. 750.p.


Notas

  1. A palavra coação é termo técnico usado pelos juristas que tem duas acepções: a primeira é sinônimo de violência praticada contra alguém (física ou psíquica); a segunda significa a força organizada em prol do Direito, é quando o Direito se vale da força para que seja cumprido seus preceitos.
  2. Essa Teoria nos diz que a coação (força) poderá estar presente ou não no Direito, pois a força não é mais efetiva, mas em potencial.
  3. Mais adiante iremos mostrar qual o sentido empregado no termo lei.
  4. Vide página 156.
  5. O nosso autor, no capítulo XIV do livro Lições Preliminares de Direito escreve em uma seção sobre tais técnicas.


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