Verificando que a inseminação artificial post mortem não encontra regulamentação expressa no ordenamento jurídico brasileiro. Como a referida técnica está consagrada nos meios médicos, o operador do direito é chamado a compreender a vocação hereditária através da interpretação sistemática dos artigos trazidos pelo Código Civil Brasileiro de 2002 e a Constituição da República de 1988.
Quanto ao nascituro proveniente da fecundação após a morte do genitor, sob o prisma da analogia, deve ser observado se o seu nascimento ocorreu dentro do período de dois anos previsto no artigo 1800, parágrafo 4º, do Código Civil em vigor, reafirmando a segurança do negócio jurídico denominado atestado.
Diante da lacuna legal, durante esse biênio, os bens de herança após a liquidação estarão sob a custódia de um curador nomeado pelo magistrado. Transcorrido o prazo de dois anos, sem o nascimento de eventual filho herdeiro, os bens reservados irão para os herdeiros necessários. Noutro sentido, havendo a concepção no prazo mencionado, os bens serão transferidos ao novel herdeiro como se estivesse vivo no momento da sucessão.
O consentimento do falecido em vida poderá ser instrumentalizado mediante testamento, documento público ou particular. Como a sucessão testamentária funda-se no princípio da autonomia da vontade, perfazendo um ato unilateral, solene e irrevogável, o testador pode dispor total ou parcialmente de seus bens. Por isso, a manifestação do autor da herança é de suma importância para a aquisição dos direitos do filho inseminado.
A legislação estrangeira pode servir de importante referência na apreciação do caso concreto, sugerindo novas possibilidades de resolução dos litígios. Contudo, deve-se registrar a dificuldade de se julgar os problemas de um país sob a perspectiva da legislação de outro. Essa falta de regulamentação específica evidencia a fragilidade da realidade brasileira, seja na prática da inseminação artificial post mortem, seja na situação da criança envolvida.
O diploma civil de 2002 prevê o instituto da presunção da paternidade, omitindo-se em relação à aplicação na sucessão do concebido nascido pelo procedimento de inseminação artificial post mortem. Apesar da expansão das clinicas de reprodução humana assistida, a falta de um regramento assecuratório dos direitos do concebido expõe, uma vez mais, a deficiência legal. Em outras palavras, a criança ficará “sem pai” e não poderá ter uma vida econômica digna, pelo fato de não ser considerado filho legítimo.
Em outro ponto, a nossa legislação dispõe sobre os direitos dos filhos até o falecimento do genitor. No entanto, nada menciona quanto à gestação através de inseminação artificial post mortem.
Conclui-se, diante de tudo exposto, que para solucionar o tema abordado é necessária, com a maior brevidade possível, uma legislação específica que trate da reprodução humana assistida e, em especial, do direito sucessório dos filhos advindos do procedimento post mortem, em atenção aos princípios constitucionais e aos direitos e garantias do nascituro, merecedores de proteção na hipótese de falecimento do genitor. O direito, assim, deve servir de instrumento de modernização das relações sociais e, nessa esteira, um país que queira crescer precisa desenvolver normas atuais para poder avançar junto com a sua sociedade.