Usucapião ordinária

12/04/2015 às 14:33
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USUCAPIÃO ORDINÁRIA

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE SERRO/MG.

Autora: XXXX

XXXX, brasileira, solteira, aposentada, titular da Carteira de Identidade número M - XXXX e do Cadastro de Pessoas Físicas número XXXX, residente e domiciliada na rua XXXX, número 167, bairro XXXX, em XXXX /MG (DOC. 1), por meio de seu procurador (DOC. 2) vem, mui respeitosamente, perante Vossa Excelência, propor

AÇÃO DE USUCAPIÃO ORDINÁRIA

com fundamentos nos artigos 1.241 e parágrafo único, 1.242 e parágrafo único, ambos do Código Civil (CC/03); artigos 941, 942, 943, 944 e 945, todos do Código de Processo Civil (CPC/73), artigos 167, I, 28 e 226, ambos da Lei 6.015/73 em face de XXXX, brasileiro, viúvo, metalúrgico aposentado, Carteira de Identidade expedida pelo Instituto Félix Pacheco/RJ número XXXX e do Cadastro de Pessoas Física número XXXX, residente e domiciliado na cidade do Rio de Janeiro, rua Estrada Feliciano Sodré, número 3509, casa 01, bairro Jus Celino Mesquita, CEP XXXX; XXXX  e sua esposa “XXXX”, ambos residentes e domiciliados na rua XXXX, número 161, bairro Centro, em XXXX ou na Zona Rural, região denominada de XXXX, em XXXX; XXXX (em lugar incerto) e sua esposa XXXX, conhecida por “XXXX”, residente e domiciliada na rua XXXX, número 101, bairro Praia, em XXXX; COMPANHIA DE SANEAMENTO DE MINAS GERAIS (COPASA-MG), sociedade de economia mista, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas número 17.281.106/0001-03, com sede na rua Mar de Espanha, número 525, bairro Santo Antônio, CEP número 30.330.900, em Belo Horizonte/MG; PREFEITURA MUNICIPAL DE SERRO/MG, inscrita no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas número 18303271000181, com sede na Praça João Pinheiro, número 154, bairro Centro, em Serro/MG; XXXX e o seu esposo XXXX, possuidores do imóvel superior, ambos residentes e domiciliados na rua Pasto do Padilha, número 1470, bairro Santo Antônio, perímetro urbano de XXXX.

  1. DOS FATOS.

A autora adquiriu, onerosamente, a posse, mediante contrato de promessa de compra e venda (DOC. 4), devidamente, registrado (Livro 25 B, f. 02, número 5308), o imóvel urbano de matrícula 3.373 (Livro 2, R-2.3.373) do proprietário e promitente vendedor XXXX, em 06 de fevereiro de 2009, sendo que o pactuado era a transferência do domínio, todavia tal fato não ocorreu.

Na data de 12 de março de 2009, a autora, passou a residir no imóvel, supra, com o seu irmão XXXX, ocasião em que levou todos os bens móveis que possuía da antiga residência, entre os quais: armário, quadros, sofás, camas, enfim o mobiliário.

Em seu novo lar encontrou uma casa com quintal e plantações de banana, laranja e jabuticaba, frutíferas que até a presente data conserva, inclusive plantou uma muda de maracujá, uma horta com couve, cebola, entre outras.

Uma ou duas vezes por ano realiza a capina do quintal. Ainda, reformou partes da casa, como: a troca do piso que era de cimento (vermelhão e todo furado) por cerâmica; substituição da porta da cozinha; pintou a casa, mudou a pia da cozinha, entre outras que o possuidor legítimo faz em sua moradia (DOC. 7).

No jardim ainda plantou rosa e margarida, considerando-se como senhora do imóvel. Ainda que pelo sistema brasileiro de registro ainda não tenha a publicidade de propriedade, tal fato, por si, não desnatura o seu direito ao domínio, mediante a usucapião, como possuidora de boa fé.

Desta forma, sendo no imóvel a sua morada e a de seu irmão, usam, gozam e dispõem do bem, entretanto pela segurança jurídica, necessita do referido registro de imóvel, que não só trará publicidade ao feito, mas lhe dará o direito subjetivo reivindicatório.

 Desta forma, o senhor XXXX não lhe transferiu a propriedade plena, como fora pactuado, quer por motivos diversos: morar no Rio de Janeiro; não deter o habite-se municipal; não querer arcas com despesas; incontroverso é que protelou por mais de cinco anos na transferência do domínio, motivos que só a psique dele conhece ou Friedrich Schleiermacher possa nos explicar.[1]

Entrementes, a propriedade plena ainda não foi publicizada pela exclusiva desídia do promitente vendedor por todo aquele lapso temporal, atualmente, a autora teve notícias de que ele, por ser idoso e estar doente, tem dificuldades em vir até a cidade de XXXX ou permitir que outrem o faça.

Insta salientar que por diversas vezes a autora já tentou realizar o respectivo registro, sejam por contatos com parentes de XXXX, telefonemas, cartas, sem, contudo, auferir resultado do que já efetuou o total adimplemento, conforme promessa de compra e venda (DOC. 4).

Destarte, a autora, preencheu todos os requisitos formais e pessoais para que seja declarado o seu direito a usucapião ordinária, em respeito aos princípios da boa fé, propriedade privada, função social, segurança jurídica e publicidade, como veremos.

  1. DA LEGITIMIDADE.

Clara é a dicção do art. 1245, § 1º, CC/03:

Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis.

§1° Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como dono do imóvel.

§2° Enquanto não se promover, por meio de ação própria, a decretação de invalidade do registro, e o respectivo cancelamento, o adquirente continua a ser havido como dono do imóvel.

A processualística do Direito Privado, ao adotar o sistema de registro Romano, estabeleceu que o negócio jurídico opera-se entre os particulares através de contratos verbais ou escritos, posteriormente, o Estado ratifica tais atos por meio do registro, se tal meio se torna ineficaz entre as partes a usucapião é a forma de se adquirir a propriedade que é livre de qualquer vício anterior.

Logo o art. 1242 e seu parágrafo único constituem o baluarte a sustentar a pretensão da autora:

Adquire também a propriedade do imóvel aquele que, contínua e incontestadamente, com justo título e boa-fé, o possuir por dez anos.

Parágrafo Único. Será de cinco anos o prazo previsto neste artigo se o imóvel houver sido adquirido, onerosamente, com base no registro constante do respectivo cartório, cancelada posteriormente, desde que os possuidores nele tiverem estabelecido sua moradia, ou realizado investimento de interesse social e econômico.

Requisitos do caput e parágrafo único que, de plano, estão presentes, como a posse pelo lapso temporal de cinco anos, ausência de conflitos, onerosidade, justo título, função social (moradia e investimentos de interesse social e econômico).

Neste norte, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais (TJ/MG) é pacífica:

EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - USUCAPIÃO ORDINÁRIA - REQUISITOS PREENCHIDOS - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL. Para o reconhecimento da prescrição aquisitiva delineada pelo Código Civil erigem-se como requisitos a) posse mansa, pacífica, e ininterrupta, exercida com intenção de dono; b) decurso do tempo; c) justo título, mesmo que este contenha algum vício ou irregularidade; e d) boa-fé;

Justo título não quer dizer título perfeito. É qualquer fato jurídico apto à transmissão de domínio, ainda que não registrado; A ação de usucapião compete também ao possuidor a 'non domino'; Sentença mantida.   (Apelação Cível  1.0647.12.000461-7/001, Relator(a): Des.(a) Domingos Coelho , 12ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 09/04/2014, publicação da súmula em 15/04/2014)

Preenchidos todos os requisitos, apenas aguardamos o desenrolar processual.

  1. DA INDIVIDUALIZAÇÃO DO IMÓVEL.

Assim como nas legislações primitivas a necessidade imperiosa de se limitar o imóvel, nos é necessária (DOC. 5):

Um lote de terras medindo quinze metros de frente e fundos e noventa metros de lado, situado na rua Nelson de Sena, número 167, em Serro/MG, sendo que se confronta: pela frente com a referida rua; pelo lado direito com Sanção Soares Pereira; pelo lado esquerdo, com “Benica”; pelo fundo com o córrego Lucas.

Ainda, consta servidão de passagem de rede de esgoto concedida a COPASA, conforme (DOC. 4), que não constitui objeto da presente demanda, descontando-se, prima facie, a referida área da presente usucapião ordinária.

Instrui-se a inicial com planta e memorial descritivo do imóvel que fielmente traduzem a área do térreo e quintal (DOC. 6).

Eventual direito de laje que a possuidora do imóvel superior, XXXX e o seu esposo XXXX, já tenham adquirido (DOC. 7), não constitui objeto da presente.

No que concerne a COPASA a área de serventia está excluída na descrição do perímetro, bem como não pretende a autora qualquer relação de domínio com o especificado (DOC. 5).

Portanto, a presente usucapião ordinária possui as seguintes confrontações: frente 14,88 metros; direita 87,98 com XXXX; fundo 18,04 metros limite com Rio do Lucas e servidão da COPASA; esquerda 79,58 metros limite com XXXX.

  1. DA POSSE MANSA, PACÍFICA E CONTÍNUA.

Como visto, a fonte possessória da autora sob o imóvel de matrícula número XXXX, teve origem obrigacional, ou seja a relação contratual de promessa de compra e venda com XXXX (DOC. 4), todavia o título translativo do domínio não lhe foi entregue.

Desde aquela data a autora já possuía a posse qualificada do imóvel com animus domini, sendo que durante tal lapso temporal manteve a posse mansa, pacífica e incontestada que é formado por um quintal e uma casa.

Utilizando como única moradia sua e de seu irmão XXXX, a autora, por esses anos realizou reformas no referido imóvel (colocação de cerâmica, pintou paredes, trocou a pia da cozinha, suportes na escada[2]), ainda contratou outras pessoas para realizar a capina do quintal, locus, que construiu uma horta utilizada para o cultivo e consumo familiar (DOC. 7).

Todas as contas de luz, água e tributos inerentes ao imóvel foram quitadas ao longo dos anos, pela autora, o que evidencia a sua posse de boa-fé e o animus domini (DOC. 8) (DOC. 9).

Quanto à obrigação de o possuidor quitar o Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) (DOC. 9), já se manifestou o nosso Tribunal:

EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – IPTU – AÇÃO DE USUCAPIÃO – SUSPENSÃO DO FEITO EXECUTIVO – DESCABIMENTO – RECURSO NÃO PROVIDO.

  1. O contribuinte de direito do IPTU é o proprietário do imóvel, o titular do seu domínio útil ou o seu possuidor a qualquer título, nos termos do artigo 34 do CTN.

[...]

  1. (Agravo de Instrumento Cv  1.0024.04.241403-7/001, Relator(a): Des.(a) Corrêa Junior , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 04/06/2013, publicação da súmula em 14/06/2013)

Outrossim, para a teoria de Rudolf Von Jhering adotada no art. 1.204 do CC/03, “Adquire-se a posse desde o momento em que se torna possível o exercício, em nome próprio, de qualquer dos poderes inerentes à propriedade.”

No que concerne a tais faculdades, o CC/03 os traz no art. 1.228, caput, “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”

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Portanto, incontroversa é a qualidade de possuidora, já que a autora usa, goza e dispõem do corpus com verdadeiro sentimento de domínio, sendo que desde 12 de março de 2009 passou a morar no imóvel de forma contínua com o seu irmão XXXX. Durante tal período nunca molestou ou foi molestada em sua posse.

Logo, a posse é justa. Eis o teor do art. 1.200 do CC/03 que a contrario sensu nos ensina a posse justa, “É justa a posse que não for violenta, clandestina ou precária.” Fatos que serão confirmados em juízo na ocasião oportuna.

Urge ressaltar, que ela vive com o seu irmão que precisa de cuidados especiais, por, aproximadamente, 19 anos, sendo que durante toda a sua vida trabalhou com o intuito de adquirir o imóvel próprio e o pretende fazer com a presente ação.

Excelência, dois irmãos idosos que nunca providenciaram qualquer tipo de ato violento, quer física ou moral, sendo que ambos são profundamente religiosos e praticantes da Igreja Católica, jamais molestariam os confrontantes ou quem quer que fosse, no uso, gozo e fruição do corpus.

Pela mesma craveira, jamais foram interpelados judicialmente ou extrajudicialmente na sua posse, fatos que socialmente são visíveis e serão demonstrados em juízo, já que o processo assim determina.

Quanto à servidão, ônus real que recai sobre o imóvel, nunca se opôs a autora, inclusive, deseja que a COPASA se manifeste nesse sentido, tampouco destruiu cercas ou alterou qualquer limite em sua propriedade com qualquer dos confrontantes (DOC. 7).

Conceito peculiar sobre o ato que transmuta a posse em propriedade é a nos trazida pelos presentantes do Parquet estaduais Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

Com efeito, a posse é o poder de fato sobre a coisa; já a propriedade é o poder de direito nela incidente. O fato objetivo da posse, unido ao tempo – como força que a opera a transformação do fato em direito – e a constatação dos demais requisitos legais, confere juridicidade a uma situação de fato, convertendo-se em propriedade. A usucapião é a ponte que realiza essa travessia, como uma forma jurídica de solução de tensões derivadas do confronto entre a posse e a propriedade, provocando uma mutuação objetiva na relação de ingerência entre o titular e o objeto. (FARIAS; ROSENVALD, 2010, p. 273-274).

Precisas são as palavras da doutrina que se amoldam, perfeitamente, no caso sub judice, pois a autora não quer apenas a posse, mas a segurança jurídica e a publicidade que o domínio providenciam ao titular da propriedade privada.

Por todo o período, a autora, legítima possuidora, conservou em sua psique o animus domini, ou seja, manteve a posse com a intenção de dona, como se verdadeira proprietária fosse, portanto, indiscutível a posse qualificada ad usucapionem.

  1. DO JUSTO TÍTULO.

Robusto é o justo título a ensejar a pretensão da autora, conforme (DOC. 4), redigido por advogado desta comarca, a quem tecemos loas e, devidamente, registrado.

Todavia, tal documento não é apto a transferência da propriedade, sendo que no próprio título já se afirmara que a construção existente no lote deveria ser averbada, ante a ausência do habite-se municipal.

No que concerne ao compromisso de compra e venda como justo título o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJ/RS) já se manifestou:

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO (BENS IMÓVEIS). AÇÃO DE USUCAPIÃO. MODALIDADE ORDINÁRIA. ART. 551, PRIMEIRA PARTE, DO CC/16 E ART. 1.242, CAPUT, DO CC/02. JUSTO TÍTULO, BOA-FÉ E TEMPO DE POSSE. REQUISITOS PREENCHIDOS. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. I. Aplicável ao caso concreto a usucapião ordinária prevista no caput do artigo 1.242 do Código Civil de 2002 e na primeira parte do artigo 551 do Código Civil de 1916, para a qual existe a necessidade de posse de 10 anos, contínua, incontestada, com justo título e boa-fé II. No tocante ao justo título, admite-se a promessa de compra e venda, mesmo que o promitente-vendedor não seja o proprietário (venda a non domino). Documento que tem aparência de legítimo e válido, mas o ato é inapto a transferir a propriedade. III. Quanto à boa-fé, presente está porque, da leitura da promessa de compra e venda, se extrai o elemento subjetivo de ignorância do possuidor quanto ao vício ou obstáculo que lhe impediu a aquisição da coisa. IV. Tempo de posse superior a 10 anos demonstrado por prova documental e testemunhal. V. Julgamento de procedência do pedido. RECURSO PROVIDO À UNANIMIDADE. (Apelação Cível Nº 70054782842, Décima Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Liege Puricelli Pires, Julgado em 29/08/2013)

     

Ainda que tal jurisprudência retrate hipótese diversa da usucapião, não há como não reconhecer a sua qualidade, bem como a boa fé da possuidora. Corrobora tal perspectiva o Enunciado número 303 do Conselho de Justiça Federal:

Considera-se justo título para presunção relativa da boa-fé do possuidor o justo motivo que lhe autoriza a aquisição derivada da posse, esteja ou não materializado em instrumento público ou particular. Compreensão na perspectiva da posse.

Portanto, pacífico é o entendimento, inclusive pelo Tribunal da Cidadania, no informativo 260, “O compromisso de compra e venda, ainda que desprovido de registro, é título hábil a embasar a ocorrência de usucapião ordinária.”

Urge ressaltar que a autora o registrou em cartório (livro 25B, fls 02, número 5308), o que só reafirma a sua condição de justa possuidora de boa fé.

  1. DA BOA-FÉ.

Questão menos incontroversa é o exercício da posse de boa-fé pela autora obtida através do compromisso de compra e venda, de forma que o art. 1.201 do CC/03 é claro ao dispor “O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.”

Por essa mesma craveira, o art. 1.202 do CC/03 determina que  “É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.”

Nessa toada, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é clara ao dispor acerca do justo título e da boa-fé, como aptos a garantir a usucapião ordinária:

DIREITO DAS COISAS. RECURSO ESPECIAL. USUCAPIÃO. IMÓVEL OBJETO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA. INSTRUMENTO QUE ATENDE AO REQUISITO DE JUSTO TÍTULO E INDUZ A BOA-FÉ DO ADQUIRENTE. EXECUÇÕES HIPOTECÁRIAS AJUIZADAS PELO CREDOR EM FACE DO ANTIGO PROPRIETÁRIO. INEXISTÊNCIA DE RESISTÊNCIA À POSSE DO AUTOR USUCAPIENTE. HIPOTECA CONSTITUÍDA PELO VENDEDOR EM GARANTIA DO FINANCIAMENTO DA OBRA. NÃO PREVALÊNCIA DIANTE DA AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA DA PROPRIEDADE. INCIDÊNCIA, ADEMAIS, DA SÚMULA N. 308.

1. O instrumento de promessa de compra e venda insere-se na categoria de justo título apto a ensejar a declaração de usucapião ordinária. Tal entendimento agarra-se no valor que o próprio Tribunal - e, de resto, a legislação civil - está conferindo à promessa de compra e venda. Se a jurisprudência tem conferido ao promitente comprador o direito à adjudicação compulsória do imóvel independentemente de registro (Súmula n. 239) e, quando registrado, o compromisso de compra e venda foi erigido à seleta categoria de direito real pelo Código Civil de 2002 (art. 1.225, inciso VII), nada mais lógico do que considerá-lo também como "justo título" apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião.

2. A própria lei presume a boa-fé, em sendo reconhecido o justo título do possuidor, nos termos do que dispõe o art. 1.201, parágrafo único, do Código Civil de 2002: "O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção".

[...]

4. A declaração de usucapião é forma de aquisição originária da propriedade ou de outros direitos reais, modo que se opõe à aquisição derivada, a qual se opera mediante a sucessão da propriedade, seja de forma singular, seja de forma universal. Vale dizer que, na usucapião, a propriedade não é adquirida do anterior proprietário, mas, em boa verdade, contra ele. A propriedade é absolutamente nova e não nasce da antiga. É adquirida a partir da objetiva situação de fato consubstanciada na posse ad usucapionem pelo interregno temporal exigido por lei. Aliás, é até mesmo desimportante que existisse antigo proprietário.

[...]

8. Recurso especial conhecido e provido.

(REsp 941.464/SC, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 24/04/2012, DJe 29/06/2012)

            A autora possui o imóvel com boa-fé desde a data em que firmou o compromisso de compra e venda, ignorando o vício quanto ao domínio, pois crê que a coisa possuída já lhe pertence como verdadeira senhora, haja vista que o título translatício da propriedade não lhe foi concedido por exclusiva desídia do senhor XXXX.

  1. DA DURAÇÃO DA POSSE.

Pelo registro do compromisso de compra e venda, pelas contas de água, pelas contas de luz, pela quitação do Imposto Predial Territorial Urbano (IPTU) de todos os anos passados, indubitável é posse do bem no tempo exigido pelo Direito Privado de cinco anos, segundo as provas documentais colacionadas.

  1. DA FUNÇÃO SOCIAL.

A função social da propriedade tem por origem a própria propriedade privada, em que através do pacto social era garantido o direito a liberdade em se exercer o domínio sobre o corpus.

Com os anos o conceito de função social foi definido pelo Código Civil, para efeitos da usucapião ordinária, como aquela que fosse exercida como moradia ou que haja investimentos de interesse social ou econômico.

Repousa em tranquilidade o requisito da moradia pela autora, já que não possui qualquer outro imóvel, sendo o sonho da casa própria o que sempre a fomentou no trabalho e a aquisição do referido bem que, aqui, discutimos.

A casa como moradia é de tal importância que desde a Antiguidade, como relata Fustel de Coulanges, em A Cidade Antiga, o lar como local sagrado, onde a família permanece em paz, cultua seus deuses e realiza suas tarefas banais diárias.

Ainda que não sejam cumulativos os requisitos, indubitável, é que a possuidora realizou obras de interesse social e econômico, como dito alhures, reformas no prédio, plantações, entre outras (DOC. 7), o que só reforça a sua prescrição aquisitiva.

  1. DA CONCLUSÃO.

O direito há que ser declarado pelo Poder Judiciário, uma vez que a autora durante sua vida trabalhou e economizou com o fito exclusivo de adquirir um lar, sendo que o domínio ainda não lhe pertence.

Alcançados todos os requisitos da usucapião ordinária, os princípios da segurança jurídica e da publicidade cartorária serão de curial importância ao se emitir tal edito.

  1.  DOS PEDIDOS E REQUERIMENTOS.

Ante o exposto, requer a autora a procedência da ação com a respectiva declaração de seu direito a usucapião ordinária desde a data de 06 de fevereiro de 2009, haja vista o preenchimento de todos os requisitos formais, pessoais e reais.

Portanto, que seja declarado o domínio sobre o imóvel de matrícula número XXXX, inscrito no Ofício de Registro de Imóveis da Zona da Comarca de XXXX, em nome da autora, determinando-se a expedição de mandado de inscrição da sentença junto ao Registro Imobiliário do térreo e quintal.

Isto posto, REQUER:

  1. A citação, por meio de oficial de justiça, de todos os confinantes, antigo proprietário e interessados, todos delineados nesta inicial, para que, querendo, ofereçam contestação, no prazo legal, nos termos do art. 300 e seguintes do CPC/73;
  2. Para os confinantes e interessados que não forem encontrados, a citação na forma do art. 232, IV, do CPC/73;
  3. Os benefícios da assistência judiciária gratuita, já que a autora é pobre no sentido legal, não podendo arcar com as despesas processuais sem prejuízo próprio ou do sustento da sua família, nos termos da Lei 1.060/50 (DOC. 3);
  4. A condenação do ex adversus, em hipótese remota de contestação que não reconheçam os direitos da autora;
  5. A intimação, por via postal, dos representantes da Fazenda Pública da União, Estado de Minas Gerais e do Município de Serro/MG, na forma do art. 943 do CPC/73;
  6. A intimação do ilustre presentante do Ministério Público para que na forma do art. 944 do CPC/73 intervenha no feito;
  7. A prioridade de tramitação do feito, nos termos do art. 71 da Lei 10.741/03;
  8. Requer a juntada de todas as provas documentais colacionadas (DOC. 1 – DOC. 9), na forma dos artigos 364, 365, IV e seguintes do CPC/73;
  9. Por fim, a extração de carta de sentença que declare e determine a inscrição do imóvel matriculado sob o número 3.373 o domínio da autora, com a respectiva expedição de mandado de inscrição no cartório de registro de imóveis.

Provar-se-há o alegado por todas as provas em direito admitidas, sobretudo pelas provas documentais carreadas, sem prejuízo das demais que surgirem no curso do processo, bem como por declarações das testemunhas.

Atribui-se a causa o valor R$ 24.300,00 (vinte quatro mil e trezentos reais), valor venal do imóvel.

  1. ROL DE TESTEMUNHAS.

  1. XXXX, motorista, casado, residente e domiciliado na rua Nelson de Sena, número 162, em Serro/MG, titular da Carteira de Identidade número M - XXXX e do Cadastro de Pessoas Físicas número XXXX;
  2. XXXX, professora aposentada, residente e domiciliada na rua Nelson de Sena, número 107, em XXXX, titular da Carteira de Identidade número M - XXXX e do Cadastro de Pessoas Físicas número XXXX;
  3. XXXX, professora aposentada, residente e domiciliada na rua Nelson de Sena, número 158, em Serro/MG, titular da Carteira de Identidade número M - XXXX e do Cadastro de Pessoas Físicas número XXXX.

Termos em que,

Pede deferimento.

Serro, 28 de julho de 2014.

ADVOGADO

OAB/MG


[1] “Pensamento e expressão são íntima e essencialmente a mesma coisa.”

[2] Tal benfeitoria visa auxiliar o irmão da autora, que é deficiente visual, a se locomover pela casa.

Sobre o autor
Carlos

Advogado

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