Contrarrazões de apelação: homicídio qualificado

05/08/2016 às 23:24
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Contrarrazões de apelação interposta pelo Ministério Público em face de réu absolvido pelo Tribunal do Júri.

Ref. Autos n° 000335-84.2005.8.17.0910

Apelante: Ministério Público de Pernambuco

Apelado: Valmir José da Silva

 

CONTRARRAZÕES DE APELAÇÃO

Egrégio Tribunal,

Colenda Câmara,

Eméritos Julgadores,

 

Cuida-se de recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco, com fulcro no artigo 593, III, alínea “d”, da Lei Adjetiva Penal, contra a respeitável sentença absolutória de fls. 208/210, proferida em favor do apelado VALMIR JOSÉ DA SILVA.

Entretanto, o apelo Ministerial não merece guarida, pelos motivos fáticos e jurídicos a seguir alinhavados:

 

I. SÍNTESE FÁTICA E PROCESSUAL

O Apelante ofereceu denúncia em face do apelado, dando-o como incurso nas penas do art. 121, § 2º, incisos II e IV, do Código Penal (fls. 02/04), alegando, em síntese, que, no dia 07 de dezembro de 2003, por volta das 14h00min, em um bar situado na Rua 24 de Dezembro, deste Município de Lajedo/PE, o apelado, utilizando-se de um revólver calibre 32, marca Taurus, desferiu disparos em face da vítima Marcos Antônio Amaral de Lima, os quais ocasionaram sua morte.

Recebida a denúncia, o que se deu em 02 de fevereiro de 2005 (fl. 02), o acusado foi interrogado (fls. 45/46) e apresentou, por intermédio de defensor constituído, a defesa prévia (fl. 48).

O feito prosseguiu com a fase instrutória, ocasião em que foram ouvidas as quatro testemunhas e três informantes arrolados na denúncia (fls. 49/51) e três testemunhas indicadas na defesa prévia (fls. 60/63).

Apresentadas as derradeiras alegações pelas partes (fls. 65/70 e 72/74), sobreveio a decisão de folhas 76/79, pronunciando o acusado como incurso no artigo 121, §2º, inciso IV, do Código Penal.

Inconformado, o pronunciado interpôs recurso em sentido estrito (fls. 81/85), ao qual, após se colher manifestação do Ministério Público em primeiro e segundo grau de jurisdição (fls. 91/95 e 116/118), negou-se provimento (fls. 134/140).

Na sessão de julgamento do Tribunal do Júri, após a ritualística de praxe (fls. 157/206), o Conselho de Sentença, em resposta aos quesitos formulados, por 4 votos a 0, absolveu o acusado, conforme sentença absolutória de fls. 208/210.

Irresignado com o veredicto dos jurados e com a sentença absolutória proferida, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 212), com arrimo nas disposições do artigo 593, inciso III, alínea “d”, do Código de Processo Penal.

Em suas razões recursais (fls. 215/221), o apelante pleiteia a anulação da decisão absolutória de primeiro grau e a realização de um novo julgamento pelo Tribunal do Júri, argumentando que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, encontrando apoio tão-somente na suposição de duas testemunhas, uma que se encontravadormindo no local dos fatos e outra que não podia observar detidamente como os fatos ocorreram.

II. DOS PRESSUPOSTOS RECURSAIS

O recurso interposto, além de ser tempestivo e adequado, obedece aos demais pressupostos legais de admissibilidade, razão pela qual merece ser conhecido.

 

III. DO MÉRITO

Não merece guarida a pretensão do apelante de ser o apelado submetido a novo julgamento, ao argumento de que os Jurados, ao inclinarem-se pela absolvição, agiram ao arrepio das provas produzidas.

Ao contrário do que argumenta o recorrente, o que se percebe é que o Conselho de Sentença optou pela absolvição, acolhendo a versão dos fatos que lhe pareceu coerente e verossímil, versão esta extraída das provas testemunhais, que deixaram claro que o apelado agiu sob o manto da legítima defesa putativa.

Com efeito, o recorrido já tivera desentendimentos com a vítima, pelo fato de que esta dirigiu-se à irmã menor daquele com impropérios verbais e com insinuações de práticas sexuais, razão pela qual a mãe do apelado dirigiu-se à Delegacia local a fim de informar à Autoridade Policial acerca de tais acontecimentos, consoante certidão de fls. 50. Diante disto, a vítima passou a ameaçar a família do acusado, de modo que todos passaram a sentir-se em perigo quando da proximidade com aquela.

No caso em tela, os fatos ocorreram em um bar, no qual a vítima se encontrava, no momento em que o apelado chegou ao referido estabelecimento. Ato contínuo, ao avistar o acusado, aquela fez menção de tirar algo da bolsa que se encontrava em suas costas. Diante de tal situação, e em virtude das pretéritas ameaças proferidas por aquela contra o acusado, este imaginou que a vítima sacaria de alguma arma para atacar-lhe, razão pela qualse utilizou da arma que portava e desferiu-lhe alguns disparos, a fim de repelir a provável e iminente agressão que sofreria.

O apelado, em seu interrogatório, confessou os fatos como acima relatados. Senão vejamos:

“[...] Que no dia-a-dia a vítima soltava gracejos à irmã do réu; Que um dia a irmã do acusado confidenciou à família estes fatos e que a incomodavam; Que a mãe do réu foi conversar com a vítima sobre a dita situação; Que após uma discussão a vítima ameaçou a mãe do acusado com um facão; Que após estes fatos começaram a haver ameaças recíprocas entre as famílias; Que o acusado com medo passou a andar armado; Que nunca teve a intenção de matar a vítima, mas proteger seus familiares; Que no dia dos fatos o acusado deslocou-se a um bar comprar refrigerante para almoçar com a família; Que naquele local a vítima estava com uma bolsa quando fez menção de pegar algum objeto e falou: é você mesmo; Que, assustado, o réu desferiu disparos de arma de fogo contra a vítima; Que não houve discussão prévia no bar. [...]” (Valmir José da Silva, fl. 199, acusado). (grifo nosso).

Ademais, as testemunhas Pedro José de Melo (fl. 55) e Israel Guedes de Medeiros (fl. 56), embora presentes no local do fato, não visualizaram o momento exato dos disparos. Explica-se.

A testemunha Pedro José de Melo não afirma que viu o acusado atirando, mesmo porque assim não poderia, eis que é o dono do bar no qual os fatos aconteceram, motivo pelo qual estava atendendo aos pedidos dos clientes, notadamente o da vítima, que havia lhe pedido dois cocos. Por outro lado, a testemunha Israel Guedes de Medeiros não estava acordada no momento em que o apelado chegou ao local, de modo que não viu a dinâmica dos fatos. Vejamos:

[...]“que no dia descrito na denúncia, ele depoente encontrava-se em seu estabelecimento comercial, quando em dado momento chegou a vítima que lhe pediu dois cocos, tendo o mesmo consumido a água do interior dos mesmos; que neste momento chegou o acusado aqui presente de nome Valmir e desferiu quatro ou cinco tiros na vítima; que vítima e acusado não chegaram a discutir. [...]” (Pedro José de Melo, fl. 55, testemunha). (grifo nosso).

[...] “que ele depoente afirma que no dia descrito na denúncia encontrava-se no Bar de seu compadre Pedrinho, quando por volta das 14:00 horas aproximadamente ali chegou a vítima e pediu um coco, tendo Pedrinho começado a descascar o coco; que neste instante ele depoente começou a cochilar e acordou com os disparos efetuados por Valmir contra a vítima. [..]” (Israel Guedes de Medeiros, fl. 56, testemunha). (grifo nosso).

Como se depreende das provas testemunhais alhures, ninguém, exceto o próprio apelado, viu o momento exato em que a vítima olhou para aquele e fez o gesto insinuando que pegaria algo dentro de sua bolsa. Nesse contexto, qualquer pessoa que estivesse no lugar do apelado iria agir da mesma forma, pois, é importante ressaltar, a vítima proferira ameaças contra aquele e sua família, de modo que agiu o apelado com erro plenamente justificado pelas circunstâncias, amparado pela descriminante putativa da legítima defesa.

Oportuno registrar, também, que era de conhecimento de muitos que a vítima possuía o costume de andar armada, o que justifica ainda mais a ação perpetrada pelo apelado. Vejamos:

“[...] que segundo comentários a vítima no momento dos fatos estava com a bolsa e tentou abri-la na ocasião em que o acusado chegará no bar; que presenciou várias vezes a vítima portando arma de fogo; que tem conhecimento de que a vítima foi morta por ferimentos de arma de fogo; que sabe informar que a vítima já fora acusada de alguns crimes, mas que não tem conhecimento de processo criminais contra o acusado; que segundo ele depoente o acusado é pessoa bem quista na sociedade e nunca causou confusões onde reside. [...]” (Romeu Antônio Pereira Martins, fls. 60/61, testemunha). (grifo nosso).

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“[...] que o acusado é pessoa bem quista na sociedade e nunca arrumou confusão com ninguém; que não sabe informar se o acusado anda armado; que sabe esclarecer que a Vitima vivia envolvida em confusões quando bebia. [...]” “[...] Que sabe informar que a vitima costumava andar com revolver dentro da bolsa, sem sabe informar o calibre; que ele depoente já viu a vitima com arma de fogo. [...]” (Jairo Alan dos Santos, fl. 62, testemunha). (grifo nosso).

Destarte, não se pode olvidar as ameaças proferidas pela vítima em face do acusado, bem como o fato de aquela andar armada e ter histórico de confusões por onde passou.

De outro turno, nas razões recursais apresentadas, o apelante alega que a tese de legítima defesa putativa confronta-se com as testemunhas presenciais, as quais alegam não ter havido discussão entre vítima e acusado. Ocorre que este próprio confirma a inexistência de discussão entre ambos. Porém, o que o fez imaginar encontrar-se em situação de perigo iminente foi o fato de a vítima ter feito menção de pegar algum objeto dentro de sua bolsa, conforme declinado alhures.

Desta forma, restou provada a existência de situação de fato, plenamente justificada pelas circunstâncias, que incutiu no apelado o sentimento de medo, fazendo-o crer que sua vida estaria em risco, o qual se utilizou do meio disponível no momento para proteger-se de tal perigo imaginário, consubstanciando-se a incidência da legítima defesa putativa.

Vale lembrar, por oportuno, acerca do que seriam as descriminantes putativas, gênero do qual é espécie a legítima defesa putativa. De acordo com Nucci[1], “as descriminantes putativas são as excludentes de ilicitude que aparentam estar presentes em uma determinada situação, quando, na realidade, não estão”. Ou seja, são causas imaginárias que excluem a ilicitude do fato praticado em determinadas circunstâncias, fazendo o agente crer que se encontra em uma situação de fato que tornaria sua ação legítima, nos termos do art. 20, § 1º, primeira parte, do CP.

Nessa toada ressoa a jurisprudência deste Egrégio Tribunal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RÉU ABSOLVIDO. LEGÍTIMA DEFESA. JULGAMENTO EM CONFORMIDADE COM AS PROVAS DOS AUTOS. APELO MINISTERIAL IMPROVIDO. DECISÃO UNÂNIME. 1. O Tribunal do Júri goza da garantia constitucional da soberania de seu julgamento, que deverá se coadunar com uma das teses defendidas em plenário. Apenas quando sua decisão for totalmente divorciada do conjunto probatório é que poderá vir a ser anulado, a fim de outro vir a ser realizado, o que não ocorre na espécie. 2. A tese de legítima defesa apresentada em Plenário e acolhida pelos Jurados não é inverossímil em relação ao contexto em que se encontrava o acusado, pois não se pode dizer com absoluta certeza que o réu não estava em situação de legítima defesa. 3. Estando o julgamento em conformidade com as provas produzidas nos autos, deve ser respeitada a soberania dos veredictos. 4. Apelação Ministerial improvida. Decisão unânime.

(TJ-PE - APL: 2858471 PE, Relator: Roberto Ferreira Lins, Data de Julgamento: 20/08/2015,  1ª Câmara Criminal, Data de Publicação: 01/09/2015)

No julgamento da apelação supramencionada, Sua Excelência o Relator, Desembargador Roberto Ferreira Lins asseverou em seu voto que “a decisão do Júri somente é contrária à prova dos autos quando se revela totalmente descabida e sem suporte em nenhum seguimento da prova. Logo,se encontrar substrato probatório na decisão do Conselho de Sentença, deve esta ser preservada”.Assim sendo, o decisum emanado pelo Conselho de Sentença,nos presentes autos, encontra fundamento no arcabouço probatório construído no decorrer da persecutio criminis, o que afasta a possibilidade de anulação da sentença absolutória proferida com fundamento na decisão dos jurados.

Entrementes, registre-se que um dos princípios fundamentais inerentes ao Tribunal do Júri é a soberania dos veredictos por ele emanados, consoante o disposto no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal. Desta forma, não se pode extirpar a soberania popular assegurada constitucionalmente ao instituto democrático que é, e assim deve ser, um júri popular. Deve-se assegurar tal soberania a fim de resguardar o direito, consagrado pelo constituinte originário, que a sociedade tem de julgar seus pares nos crimes dolosos contra a vida.

Desta feita, para ser anulado um veredicto emanado pelo Tribunal Popular faz-se necessário que tal decisum seja manifestamente contrário à prova dos autos. Ou seja, não basta que existam indícios de contrariedade da decisão com o acervo probatório, mas que tal decisão seja manifesta, clara e indubitavelmente destoante do arcabouço probatório, o que não é o caso dos autos, pois as provas testemunhais e a confissão do acusado corroboram com o exposado alhures.

V. DO PEDIDO

Incensurável, assim, pelos fundamentos ora colacionados, a soberana decisão dos Jurados, bem como a r. sentença proferida pela digna Juíza Presidente, razão porque pugna pelo conhecimento e improvimento da apelação interposta.

Termos em que,

Pede deferimento.

Lajedo/PE, 02 de agosto de 2016.

 

ELISON RODRIGUES SOBRAL


[1]NUCCI, Guilherme de Souza. Código penal comentado, 14. ed.– Rio de Janeiro, Forense: 2014, pág. 251.

Sobre o autor
Elison Rodrigues Sobral

Auxiliar cartorário em Cartório de Registro Imobiliário, Tabelionato de Notas, etc.; Estudante do 9° semestre em Direito;<br>Estagiário do Escritório Matos Advocacia.

Informações sobre o texto

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