O autor da herança não deixou cônjuge, ascendentes, nem filhos. Restaram apenas irmãos e sobrinhos. Quem herda nesse caso?

02/05/2024 às 17:40
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QUEM FICA PRA TITIO ou pra titia também terá o mesmo destino que todos os demais um dia, mas - diferentemente do que algumas pessoas pensam - o fato de não ter deixado "filho" não significa que essa pessoa não deixará "herdeiros". Um importante artigo - senão o mais importante - do Código Civil atual que trata dessa questão é o artigo 1.829 que cuida da "Ordem de Vocação Hereditária". Nesse artigo o codificador elencou quem serão os destinatários que recolherão a herança por ocasião do falecimento do autor da herança (proprietário dos bens), sendo certo que diversos artigos que seguem o art. 1.829 modularão a aplicação dessa ordem de vocação hereditária, o que torna complexo e fascinante esse inevitável ramo do direito que é o "Direito das Sucessões" - o último livro do Direito Civil que estudamos na graduação, que trata do inafastável fenômeno morte já sinalizando talvez que seja ela o fim de tudo... Será? Reservo minhas dúvidas quanto a isso, até mesmo porque "sucessão" também significa "transmissão".

Reza o artigo 1.829 que falecendo o titular dos bens sem deixar descendentes, ascendentes e cônjuge/companheiro receberão a herança os seus COLATERAIS:

"Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares;

II - aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge;

III - ao cônjuge sobrevivente;

IV - aos colaterais".

COLATERAIS que podem receber herança, de acordo com o Código Civil (art. 1.839) atual são aqueles que estão circunscritos até o quarto grau. O ilustre mestre e especialista em Direito Sucessório, Dr. LUIZ PAULO VIEIRA DE CARVALHO (Direito das Sucessões. 2019) esclarece com propriedade:

"Para os efeitos legais, são colaterais sucessíveis de 2º grau, os irmãos do falecido; de 3º grau, seus tios e sobrinhos; e de 4º grau, seus sobrinhos-netos, tios-avôs e primos, conforme o art. 1.592 do Código Civil".

O aludido artigo 1.592 por sua vez esclarece:

"Art. 1.592. São parentes em linha colateral ou transversal, até o quarto grau, as pessoas provenientes de um só tronco, sem descenderem uma da outra".

Um aspecto relevante a ser observado na sucessão envolvendo colaterais diz respeito ao DIREITO DE REPRESENTAÇÃO. Sobre esse instituto determina o art. 1.851 do Código:

"Art. 1.851. Dá-se o direito de representação, quando a lei chama certos parentes do falecido a suceder em todos os direitos, em que ele sucederia, se vivo fosse".

O direito de representação tem aplicação também na sucessão onde colaterais recolhem herança, segundo a regra do art. 1.853:

"Art. 1.853. Na linha transversal, somente se dá o direito de representação em favor dos filhos de irmãos do falecido, quando com irmãos deste concorrerem".

Nesse caso, quando o falecido deixa irmãos e, dentre esses, irmãos PRÉ-MORTOS, se esses deixarem filhos, estes receberão por representação fazendo as vezes do colateral previamente falecido do autor da herança. Nesse sentido o citado jurista também esclarece em sua festejada obra:

"Na classe dos colaterais impera a regra de que OS MAIS PRÓXIMOS EXCLUEM OS MAIS REMOTOS, salvo o direito de representação concedido tão só aos filhos de irmãos faltantes, isto é, premortos ou excluídos da sucessão do hereditando por força de indignidade, de acordo com o art. 1.840 c/c o art. 1.853 do Código Civil (arts. 1.613 e 1.622 do CC/16). Assim, se o autor da herança tiver deixado irmão ou irmãos (2º grau na linha colateral), e também filho ou filhos de irmão ou irmãos faltante (s), isto é, sobrinho ou sobrinhos (3º grau na linha colateral), o irmão ou os irmãos recolhem o respectivo quinhão por direito próprio, pois são os mais próximos do falecido, e o sobrinho ou os sobrinhos, na qualidade de representantes, recolhem o quinhão do representado em virtude de direito de representação".

A existência concomitante de irmãos do falecido e sobrinhos (filhos destes irmãos vivos) não dá a esses filhos (sobrinhos do morto) direito na herança do tio falecido, na medida em que os irmãos do falecido preferirão, conforme regra do art. 1.840:

"Art. 1.840. Na classe dos colaterais, os mais próximos excluem os mais remotos, salvo o direito de representação concedido aos filhos de irmãos".

A ressalva está no direito de representação que, no caso aqui tratado, é limitado. Como já esclarecemos em outras passagens, enquanto "pré-mortos" são aqueles que faleceram antes do autor da herança, serão "pós-mortos" os que falecerem depois de aberta a sucessão do autor da herança em questão. Essa distinção é importante já que, como se viu acima, o artigo 1.853 limita a projeção do direito de representação na sucessão dos colaterais, que diferentemente da linha reta descendente não vai até o infinito. Nesse sentido indecotável decisão do TJMG amparada em precedentes do STJ:

"TJMG. 10232110011573001. J. em: 04/02/0018. EMENTA: APELAÇÃO - AÇÃO ORDINÁRIA DE HERANÇA - SUCESSÃO - CÓDIGO CIVIL 2002 - HERDEIROS COLATERAIS -DIREITO DE REPRESENTAÇÃO - SOBRINHOS-NETOS - LIMITAÇÃO - FILHOS DE IRMÃO. IMPOSSIBILIDADE. ARTIGOS 1.840 e 1.853, DO CÓDIGO CIVIL. - Tendo o óbito ocorrido na vigência do Novo Código Civil, serão aplicáveis as regras sucessórias do referido Diploma Legal, de 2002, na forma do seu art. 1787 - Não havendo descendentes, ascendentes ou cônjuge, a herança deve ser deferida aos colaterais, até o quarto grau - Para ocorrer a representação na linha colateral, é necessário que pelo menos um irmão do finado herde, possibilitando aos sobrinhos, filhos de irmão pré-morto, herdarem por representação, recebendo o que o ascendente receberia se estivesse vivo. Por expressa disposição legal (art. 1.853, CC/02), o direito de representação, na sucessão colateral, limita-se aos filhos dos irmãos, não se estendendo aos sobrinhos-netos".

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Sobre o autor
Julio Martins

Advogado (OAB/RJ 197.250) com extensa experiência em Direito Notarial, Registral, Imobiliário, Sucessório e Família. Atualmente é Presidente da COMISSÃO DE PROCEDIMENTOS EXTRAJUDICIAIS da 8ª Subseção da OAB/RJ - OAB São Gonçalo/RJ. É ex-Escrevente e ex-Substituto em Serventias Extrajudiciais no Rio de Janeiro, com mais de 21 anos de experiência profissional (1998-2019) e atualmente Advogado atuante tanto no âmbito Judicial quanto no Extrajudicial especialmente em questões solucionadas na esfera extrajudicial (Divórcio e Partilha, União Estável, Escrituras, Inventário, Usucapião etc), assim como em causas Previdenciárias.

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