Direitos humanos e refugiados: um estudo sobre a legislação e ações do poder executivo em face da imigração

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RESUMO

A função do Estado brasileiro como garantidor de direitos humanos básicos a imigrantes tem sido fortemente debatida, tendo em vista sua soberania internacional e os tratados globais que faz parte, principalmente dadas situações recentes como a imigração haitiana. Diante disso, estabelecemos o seguinte problema de pesquisa: De que forma os poderes legislativo e executivo podem garantir direito a saúde, moradia e emprego, aos imigrantes ucranianos que fogem da crise em seu país não descaracterizando a soberania internacional do Brasil? Tem-se como objetivo geral: Analisar de que forma os poderes legislativo e executivo devem agir para regular a imigração ucraniana no Brasil de forma humanitária e protecionista garantindo direito à saúde, moradia e emprego. Já os objetivos específicos foram: compreender a evolução dos direitos humanos dos migrantes e suas espécies; discorrer sobre as circunstâncias sócias econômicas que ocasionam a imigração ucraniana, bem como seus efeitos; apresentar medidas tomadas pelo governo e organizações para garantia de direitos de imigrantes ucranianos no Brasil e prover uma visão doutrinária. O método de pesquisa adotado foi o dedutivo e as técnicas de coleta de dados foram: bibliográfica e documental. O artigo encontra relevante justificativa para a sua produção uma vez que é atual. Destaca-se o apoio da União e o encaminhamento planejado a outros Estados como fundamentais a garantia de direitos humanos básicos aos imigrantes ucranianos, bem como uma reformulação do decreto que regulamente a nova lei de migração e instituição da possibilidade de visto especial humanitário pelo poder legislativo.

Palavras-chave: Direitos Humanos. Imigração. Estado. Desordem. Solidariedade.

SUMÁRIO: Introdução; 1. A evolução dos direitos humanos dos migrantes no Mundo; 1.1.Panorama brasileiro: Surgimentos de direitos e Estatuto do Estrangeiro; 2.1. Asilo, Refúgio e Imigrante: Conceituação; 2.1.1. Evolução legislativa do conceito de refugiado; 2.2. Breve análise das circunstâncias causadoras da imigração ucraniana e seus efeitos; 2.2.1 Causas da imigração ucraniana para o Brasil: Guerra e Crise política Conclusão; Referências; 2.2.2 Efeitos da imigração dos ucranianos em terras brasileiras em números; 3. Conclusão; 4. Referências.

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho situa-se na área dos direitos humanos de 3ª geração, ou seja, aqueles ligados a fraternidade ou solidariedade, com fim de desenvolvimento ou progresso por meio da autodeterminação dos povos. Nesta seara o trabalho aborda os direitos dos imigrantes, que estuda a proteção de pessoas, que face a situações de guerra, perseguição, condições de vida miseráveis, opiniões ou projeções políticas deixam seus países para se estabelecerem em outros definitiva ou temporariamente.

As causas da emigração, bem como seus efeitos nos países receptores sempre foram objeto de muita controvérsia dentro do direito internacional e local, de modo que os direitos humanos voltados aos indivíduos nesta situação surgiram para garantir o menor dano possível a esses sujeitos. Assim, busca-se neste escrito discutir como os poderes legislativo e executivo brasileiros devem proceder para assegurar o respeito a existência de imigrantes ucranianos como seres humanos.

Diante disso, estabelecemos o seguinte problema de pesquisa: De que forma os poderes legislativo e executivo podem garantir direito a saúde, moradia e emprego, aos imigrantes ucranianos que fogem da crise em seu país não descaracterizando a soberania internacional do Brasil?

Diante desse problema de pesquisa definimos o seguinte objetivo geral: Analisar de que forma os poderes legislativo e executivo devem agir para regular a imigração ucranina no Brasil de forma humanitária e protecionista garantindo direito a saúde, moradia e emprego. Para consecução do qual foram definidos os seguintes objetivos específicos: compreender a evolução dos direitos humanos dos migrantes e suas espécies; discorrer sobre as circunstâncias sociais econômicas que ocasionam a imigração ucraniana, bem como seus efeitos; apresentar medidas tomadas pelo governo e organizações para garantia de direitos de imigrantes ucranianos no Brasil e prover uma visão doutrinária.

Tal pesquisa justifica-se socialmente pelo fato de que o Estado tem o dever de garantir o bem-estar de todos que se encontram abarcados por sua soberania, pouco importando se são brasileiros naturalizados, natos ou se não possuem cidadania brasileira.

Já academicamente, a relevância da pesquisa consiste em estimular a discussão sobre a nova celeuma jurídica que envolve os direitos humanos internacionais, configurada pelo despreparo legal e administrativo do Estado em atender imigrantes, sendo de grande importância para desenvolvimento de discussões visando a evolução do direito e dos estudos em torno disso.

De acordo com o que restou discutido no presente artigo acadêmico, foi adotada metodologicamente a abordagem qualitativa, na qual buscando-se significados atribuídos aos fatos que se observa, o pesquisador procura participar, compreender, interpretar as informações que se seleciona, que se obtenha a partir da averiguação.

Quanto ao método de pesquisa optamos pelo método dedutivo, através do qual são postas duas premissas, delas, por inferência, se tira uma terceira, chamada conclusão. Neste caso a primeira premissa é a entrada dos imigrantes ucranianos no Brasil, a segunda é a omissão dos poderes legislativo e executivo, resultando-se numa terceira que é a conclusão, sendo neste trabalho as medidas necessárias para as garantias dos direitos humanos.

No que tange aos tipos de pesquisa, adotamos a pesquisa bibliográfica, sendo escolhidos artigos e livros que a partir de conteúdos que versassem sobre o assunto em questão, a saber-se, imigração, garantias ligadas a imigração, e dignidade da pessoa humana, todos relacionados aos direitos humanos.

1. A evolução dos direitos humanos dos migrantes no Mundo: Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR)

Subsequentemente a Segunda Guerra Mundial, foi necessário adotar medidas a nível internacional para proteção dos refugiados e apátridas, assim a Convenção da ONU de 1951, também conhecida por Estatuto dos Refugiados, criou o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR), sendo elaborado um protocolo em forma de minuta (MAZZUOLI, 2007).

De início, o ACNUR foi criado pela Assembleia das Nações Unidas, em 14.12.1950, como órgão subsidiário para proteger e assistir às vítimas de violência e perseguição em consonância com a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (ROCHA e PADILHA, 2016), adotada em Genebra em 28.07.1951.

A referida convenção também conhecida como Convenção de Genebra de 1951, define o que é um refugiado e estabelece os direitos dos indivíduos aos quais é concedido o direito de asilo bem como às responsabilidades das nações concedentes (MAZZUOLI, 2007).

Nos dias atuais, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, é um órgão das Nações Unidas, elevado a tal status pela Resolução n.º 428 da Assembleia das Nações Unidas, em 14 de dezembro de 1950, que tem como missão dar apoio e proteção a refugiados de todo o mundo (SALADINI, 2011).

Tendo o entendimento de que as sociedades, principalmente as que recebem os imigrantes, são abrangidas cada vez mais pela multiplicidade cultural (ROCHA e PADILHA, 2016), restando claro e evidente que as percepções de nação também se diversificam, isto é, diferentes grupos com compreensões diversas de pátria trazidas das suas, tentam impor uma ótica de nação ao processo de construção das fronteiras por meio das políticas de migração e nacionalidade.

Em seguida, partindo dos mesmos princípios, a Organização Internacional para as Migrações OIM, nasceu em 1951 a partir do caos e deslocamento da Europa Ocidental após a guerra supracitada (MAZZUOLI, 2007).

Panorama brasileiro: Surgimentos de direitos e Estatuto do Estrangeiro

A nível nacional, no ano de 1980, com a edição da lei 6.815, ainda sob a vigência da Constituição de 1967/1969, ou seja, em pleno regime militar, o Brasil criou o Estatuto do Imigrante, introduzindo-o no ordenamento jurídico então vigente. A estrutura deste Estatuto fundava-se no princípio da segurança nacional, fundamental base ideológica para a consignação e manutenção do governo, visando essencialmente regular os direitos e deveres do estrangeiro de forma a continuar a manutenção do governo ditatorial (ROCHA e PADILHA, 2016).

Tal diploma legal encontrava-se em total desacordo com os tratados internacionais de direitos humanos, pois não trazia disposições sobre os asilados políticos, mesmo depois da promulgação da Constituição Federal de 1988, não contendo aparelho que tratasse de políticas públicas para os mesmos (SALADINI, 2011), sendo assim completamente dissociado dos tratados e convenções internacionais que protegiam o estrangeiro, o que ensejou uma revisão da engessada legislação brasileira, a qual deveria tratar dos direitos de migrantes, sejam eles asilados, refugiados ou apátridas (PORTELA, 2009).

A evolução dos direitos dos migrantes veio no ano de 2013, com a edição do Decreto 8.101, que promulgou a Resolução nº 1.105, de 30 de novembro de 2004, aprovando a entrada do Brasil na OIM, juntamente com os tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, que possuem uma hierarquia supralegal, assim passando a vigorar em terras brasileiras legislação constitucional considerada mais avançada acerca do tema (MAZZUOLI, 2007).

Desta forma, na medida que a constituição lhes atribui a natureza de normas constitucionais, os tratados de proteção dos direitos humanos também passam pelo mandamento do citado §1º do seu art. 5.º, a ter aplicabilidade imediata no ordenamento jurídico brasileiro, dispensando-se a edição de decreto de execução para que irradiem seus efeitos tanto no plano interno como no plano internacional (ROCHA e PADILHA, 2016).

Assim, com relação aos tratados de proteção dos direitos humanos, foi adotado no Brasil o monismo internacionalista Kelseniano, sendo dispensada a sistemática da incorporação pelo decreto executivo presidencial para seu efetivo cumprimento no ordenamento pátrio (SALADINI, 2011), de modo que a ratificação do tratado por um Estado resulta na incorporação automática de suas normas à legislação interna.

Para que se alcance à compreensão os deveres do Estado para com os imigrantes, deve- se primeiramente se fazer distinguir os conceitos doutrinários de Asilado, Refugiado e Imigrante, de forma a delimitar os interesses que circundam a migração e seus efeitos sociais, econômicos e políticos, sendo a migração o conceito mais amplo a ser tomado como base (PORTELA, 2009).

Assim, tem-se a migração como um gênero que se subdividem tipos, dos quais importam a esta pesquisa os tipos presentes neste tópico, havendo ainda a diferenciação entre migração voluntária e a migração forçada. Na primeira, o fator que impulsiona a migração é o livre arbítrio humano, que movido pela curiosidade e constante ânsia pelo desconhecido o faz deixar seu lar em busca de algo novo. Na segunda hipótese, condições adversas a sua vontade o fazem buscar um novo lugar para viver, essas condições podem envolver fatores econômicos, sociais, políticos, a existência ou iminência de guerra, uma pandemia confirmada, ou mesmo perseguições oriundas de discriminações religiosas, raciais e ideológicas. (MALKKI apud JUBILUT, FRINHANI e LOPES, 2018).

Asilo, Refúgio, Exílio, Imigrante: Conceituação

Alcançado o entendimento da definição de migração forçada, passemos a dissertar sobre os tipos que fundamentam a epígrafe deste trabalho.

Asilo é a proteção dada ao migrante que, após cometer um crime comum ou por atos antidemocráticos do estado, geralmente políticos, busca proteção e abrigo em um país diferente do de ocorrência do fato. “Asilo é o que o refugiado procura quando sente que a sua vida ou liberdade estão ameaçadas no seu país de origem” (GOMES, 2010). O asilado goza de prerrogativas especiais, pois após sua aceitação no território de asilo não é aceitável a sua deportação, assim declara explicitamente o texto da Convenção de 1951, e ratificado no Protocolo de 1967:

“Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas”

Embora seja uma prática ética, moral e de solidariedade humanitária, a concessão do asilo não é obrigatória ao país de procura, pois a obrigatoriedade macularia a soberania dos estados. Assim, todas as contrapartidas são verificadas pelos países antes da aceitação de um pedido de asilo, desde o impacto econômico que poderá advir da aceitação, até mesmo o início de uma guerra armada, a depender dos interesses da outra nação (VARELLA, 2009).

O fato é que nem sempre a permissão do asilo traz benefícios aos países, por este motivo há muita cautela para que se conceda a permissão, ou ainda, há casos em que interesses políticos sobrepujam um asilo já concedido. Seu pedido “era outorgado a pessoas que tinham de fugir dos seus países para escapar à perseguição e à tortura, mas, até hoje, nenhum instrumento internacional de cobertura jurídica universal elaborou uma definição de asilo” (GOMES, 2010).

O conceito de Refúgio se confunde com o de Asilo, no entanto, embora também haja a presença de perseguições e violações aos direitos humanos, os refugiados possuem a característica de fugirem de situações de violenta repressão e agressão física, moral e psicológica. Os refugiados não pretendem se escusar de uma acusação ou uma melhora meramente econômica, mas buscam a sobrevivência em ambientes dignos e seguros.

“[...] um refugiado deixa o seu país de origem para fugir à insegurança, à perseguição e à morte. O refugiado teve que abandonar o seu país, o seu domicílio, a sua família. Não dispõe de recursos financeiros, não domina a língua, a cultura, o direito e o modo de vida do país que o acolhe. É um ser exilado, que tem que "reaprender a viver” “(GOMES, 2010).

Diferentemente do asilo, o refúgio deve ser concedido aos que buscam por ele, não por implicarem em situações diretamente políticas, mas sim, pelo auxílio e cuidado que o estado deve ter para com seu povo. Muito embora não haja compatibilidade entre as nacionalidades, a humanidade e solidariedade devem ser postas como paradigmas para o acolhimento das pessoas que estejam em situações de flagrante violação de direitos (VARELLA, 2009).

O exílio, por sua vez, se caracteriza quando há expatriação, ou seja, saída da pátria originária, de forma forçada geralmente por motivações políticas. Apesar de o exilado também estar em processo de migração, nesse caso, é contra sua vontade, sendo considerado como tal o indivíduo enviado para fora do seu país por um governo. Uma vez ocorrido isto, a pessoa não pode mais voltar para a sua nação, até que receba autorização legal (VARELLA, 2009)..

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2.1.1 Evolução legislativa do conceito de refugiado

Com base principalmente na Convenção de Genebra de 1951, os refugiados alcançaram a prerrogativa de não serem expulsos ou deportados a seus países de origem, sem que antes se confirme a segurança e garantia a vida e a liberdade. No Brasil, o refugiado deve, assim que estiver em território nacional, se dirigir a uma sede da Polícia Federal e requerer sua permanência legal como refugiado.

O preconceito para com os povos refugiados é evidente em diversas partes do globo, marcados principalmente pelos motivos que lhes compeliram a busca por um novo lar. Abrindo os primeiros parâmetros quanto aos refugiados, a Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, estabelece em seu art. 1º, inciso A,§ 2º:

“A. Para os fins da presente Convenção, o termo 'refugiado' aplicar-se-á a qualquer pessoa: Que, em consequência de acontecimentos ocorridos antes de 01 de janeiro de 1951, e receando com razão ser perseguida em virtude da sua raça, religião, nacionalidade, filiação em certo grupo social ou das suas opiniões políticas, se encontre fora do país de que tem a nacionalidade e não possa ou, em virtude daquele receio, não queira pedir a proteção daquele país; ou que, se não tiver nacionalidade e estiver forado país no qual tinha a sua residência habitual após aqueles acontecimentos, não possa ou, em virtude do dito receio, a ele não queira voltar.”

O conceito nacional de refugiado foi trazido por meio da Lei 9.474 de 1997, que trata dos mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, onde o legislador atribuiu a seguinte definição:

Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - Devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;II - Não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;III - Devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

Muito embora contenha similaridades aos conceitos supramencionados, a imigração adquire o cunho coletivo de busca por qualidade de vida, esperança por oportunidade de emprego, estudo e moradia. Tendo motivações econômicas e sociais, a imigração ocorre desde a aurora da civilização moderna, onde grupos de pessoas migravam em busca de melhores condições de vida (ALMEIDA, 2018). Após o término das grandes guerras esse desejo de um futuro melhor atingiu muitos povos que procuraram proteger seus familiares e construir uma nova vida em outra parte do globo.

Na atualidade, a globalização, o êxodo rural, a acentuação do capitalismo e a exigência cada vez maior de qualificação técnica e profissional fez com que países com economia emergente e grandes potências econômicas virassem rotas para pessoas que buscam melhores condições de vida.

Desde o descobrimento do Brasil que sua população foi formada a partir da miscigenação entre os povos nativos, colonos e imigrantes. Situação similar à construção dos Estados Unidos da América, onde mesmo com situações distintas de colonização, há ainda hoje forte massa migratória em busca da América livre e suas condições de vida idealizadas.

A conceituação doutrinária de imigrante não é uníssona, pois sua definição se confunde com os conceitos de refugiado e asilado, tendo como similaridades as violações aos direitos humanos quanto à garantia de vida digna, educação, saúde e bem-estar. Assim, na ausência de um conceito global, vem Sayad completar que:

“Os imigrantes são estrangeiros que aparentemente estão como provisórios em uma determinada sociedade receptora, mantém variados elos culturais e sentimentais com suas nações de origem, mas geralmente se tornam permanentes e se integram de diferentes formas a essa nova nação.” (SAYAD apud ALBUQUERQUE, 2008).

Embora a principal distinção seja a coerção econômica sofrida, a legislação nacional conceitua amplamente imigrante como sendo: II - imigrante: pessoa nacional de outro país ou apátrida que trabalha ou reside e se estabelece temporária ou definitivamente no Brasil (Lei nº 13.445/2017 - Institui a Lei de Migração). A nova lei facilitou o processo de obtenção de documentos para legalizar a permanência do imigrante no Brasil, bem como o acesso ao mercado de trabalho regular e serviços públicos.

  1. Breve análise das circunstâncias causadoras da imigração ucraniana e seus efeitos

2.2.1 Causas da imigração ucraniana para o Brasil: Guerra e Crise política

Em 1991, com o fim da União Soviética, cada ex-república se tornou um estado independente. Pela primeira vez desde a idade média, os ucranianos puderam constituir seu próprio estado soberano a partir de um referendo, com 90% dos ucranianos votando pela independência. Em 1994, a Ucrânia entregou as antigas ogivas nucleares soviéticas em seu solo à Rússia, com a garantia de que suas fronteiras seriam respeitadas, constituindo o Memorando de Budapeste (LOUREIRO, 2022).

Nos anos seguintes, a Ucrânia iniciou uma aproximação com os países ocidente, e em 2013, após um recuo nas negociações para integrar a União Europeia, ocorreram enormes protestos que levaram à deposição de Víktor Yanukóvytch no ano seguinte e à ascensão de um governo pró-ocidente (LEBELEM e VILLA, 2022).

Em 23 de fevereiro de 2022, o a Rússia iniciou a invasão da Ucrânia sob o pretexto de a “desnazificar” e “desmilitarizar”, afirmando que haverá consequências nunca antes vistas caso haja interferência externa, e massacrando qualquer capacidade defensiva da Ucrânia (LEBELEM e VILLA, 2022).

Tal guerra vem causando a morte de milhares, tendo em vista os ataques à areas residenciais, inclusive hospitais, e a falta de insumos básicos para à sobrevivência, de modo que em face da deficiência no fornecimento de alimentos e medicação, bem como o temor pelas suas vidas, os residentes do país estão emigrando para diversos outros.

Segundo Loureiro (2022. p.4) a razão dessa tensão estrutural no relacionamento entre lideranças ucranianas e russas, mesmo entre aquelas inicialmente mais inclinadas a dialogar com Moscou, está na divergência estrutural sobre o status da Ucrânia enquanto país: nenhum presidente ucraniano mostrou-se russófilo o suficiente a ponto de aceitar o que era entendido como uma naturalidade por Moscou – uma Ucrânia sob hegemonia moscovita incontestável.

Lebelem e Villa (2022, p. 4) afirmam que:

...as problemáticas de ordem geopolítica, econômica e cultural, que levaram a Rússia a invadir a Ucrânia no dia 24 de fevereiro de 2022, não foram apenas fatores isolados de motivações recentes. Há de se considerar que diversos eventos históricos se somam ao sentimento russo de recomposição e expansão na região e, sobretudo, de profundos conflitos domésticos ainda não resolvidos pelos ucranianos, haja vista a existência das áreas separatistas que ainda usam o russo como idioma principal e possuem um forte sentimento de pertencimento à Rússia.

Em suma a insegurança causada na região pela disposição que o governo ucraniano já demonstrava em relação à sua adesão à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e à União Europeia (UE) serviu de catalisador ao conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

A grande questão é saber até que ponto as ações presentes e futuras da OTAN no campo da segurança serão fortes o suficiente para exercer um poder de dissuasão sobre a Rússia, e impedir eventos ainda mais catastróficos.

2.2.2 Efeitos da imigração dos ucranianos em terras brasileiras em números

De acordo com a Agência das Nações Unidas para Refugiados, o Brasil é o segundo país mais visado pelos ucranianos, pois estes veem no país o refúgio de que necessitam para sobreviver.

Devido à guerra que se instalou na Ucrânia, o Brasil permitiu que os ucranianos buscassem refúgio, – principalmente na região Sudeste que tem sido a localidade que mais os recebe – oferecendo residência temporária e possibilitando que os imigrantes pudessem inserir-se na sociedade.

Assim chegando a terras brasileiras, muitos ucranianos solicitam proteção como refugiados, alguns buscam trabalhos temporários e outros procuram com urgência por cuidados médicos provocando uma sobrecarga do sistema público de saúde local e inflando o sistema de solicitação de refúgio no Brasil.

Apenas na região supracitada, desde o ínicio da guerra chegaram pouco mais de mil ucranianos trazendo o peso de uma crise e a esperança de dias melhores, havendo em território brasileiro aumento de solicitação de refúgio para esses cidadãos.

A falta de legislação federal específica para esta situação, havendo apenas tratados internacionais de direitos humanos incorporados, somada a não atuação do poder executivo federal para minimizar os efeitos de tal imigração sobre o Estado em questão e o Brasil como um todo tem contribuído para que a situação se torne mais delicada ainda.

2.3 Medidas legislativas e executivas tomadas pelo Governo Brasileiro: Omissão das autoridades locais e atuação geral da Esfera Federal

Em 30 de agosto de 2022 o governo federal prorrogou a concessão de visto temporário e autorização de residência aos ucranianos que deixaram o país europeu por causa da guerra. A portaria anterior, que autorizou a acolhida humanitária dos ucranianos, perderia a validade amanhã no dia 31, e com a nova medida, os pedidos de visto e residência podem ser feitos até 3 de março de 2023.

O visto temporário beneficia aos nascidos na Ucrânia e aos apátridas afetados ou deslocados pela situação de conflito armado na Ucrânia, país que foi invadido pela Rússia em fevereiro. De acordo com a portaria, essa providência não inviabiliza outras medidas que possam ser tomadas pelo governo federal em benefício de

ssas pessoas.

O Instituto Migrações e Direitos Humanos (IMDH)/Fundação Scalabrinianas, por sua vez, está disponibilizando o atendimento desta população para questões relativas à estada regular no Brasil, podendo ser solicitada orientação e ajuda, gratuitamente, sobre a obtenção do CPF, documentação, preenchimento de formulários para pedidos de refúgio ou de autorização de residência, agendamento na Polícia Federal e outras demandas.

O governo britânico, por exemplo, lançou o programa Homes for Ukraine, sob o qual moradores do Reino Unido podem abrigar um indivíduo ou uma família sem pagar aluguel por pelo menos seis meses. Já no Brasil não se tem nada parecido.

3. Conclusão

No presente trabalho verifica-se que todos os objetivos específicos propostos foram atingidos, levando assim para a consecução do objetivo geral fixado no início deste escrito.

Primeiramente foi possível compreender a evolução dos direitos humanos dos migrantes, começando do Estatuto dos Imigrantes criado na ditadura militar até a nova lei de migração surgida em 2017, bem como as espécies de migrantes pertinentes, sendo elas imigração, asilo e refúgio. Isto proporcionou antes de toda discussão o entendimento da legislação sobre migração brasileira e ao mesmo tempo, conceituou e situou o sujeito sobre o qual este trabalhou versou, ou seja, os refugiados forçados ucranianos.

Após isto, foram explanadas as causas da migração de ucranianos para terras brasileiras, sendo de extrema importância para o presente estudo, vez que contribuiu para entender o perfil dos imigrantes e o contexto sócio político no qual estavam inseridos.

Fechando o referencial teórico foram abordados os efeitos do refúgio do povo ucraniano no Brasil, ajudando a compreender os desafios que devem ser enfrentados, assim como medidas já adotadas pelo governo local e pelo poder legislativo bem como críticas e sugestões da doutrina foram expostas.

Verifica-se que os principais pontos aqui obtidos são as medidas que devem tomadas ou reajustadas de acordo com os princípios dos direitos humanos, a reafirmação do Estado como garantidor da ordem pública, e uma discussão muito interessante que com certeza renderia mais frutos em outros trabalhos, de qual deve ser o objeto das táticas de fortalecimento de políticas públicas para imigrantes, o ser humano, o espaço ou ambos?

O tema aqui debatido demonstrou sua importância, quando foram abordados, no decorrer do texto, entendimentos indispensáveis à garantia de direitos básicos a qualquer ser humano, como a saúde e a educação. Desta forma a relevância do tema no direito material se dá pela comprovação da necessidade da tutela do Estado.

Ao discorrer sobre esta temática, encontram-se pontos fortes e fracos no debate, o mais evidente destes, é como garantir direitos humanos básicos a imigrantes sem desamparar os cidadãos brasileiros? Como definir os parâmetros corretos para efetivação de políticas públicas de imigração eficazes, mas não discriminatórias? Um dos pontos fortes aqui, contudo, foi a interpretação e reflexão baseada nos direitos humanos dos imigrantes, que foi capaz de proporcionar uma análise profunda sobre as medidas que devem ser tomadas, bem como um breve debate sobre seus moldes.

4. Referências

ALBUQUERQUE, José Lindomar. Imigração em territórios fronteiriços. Lisboa: Universidade nova de Lisboa, VI Congresso Português de Sociologia, 2008.

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Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), DF, 6 de novembro de 1992. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilao.htm>. Acesso em: 15 jul. 2019.

DE MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2011. GOMES, Teresa Maria Resende Cierco. A instituição de asilo na União Européia. Lisboa: Biblioteca Nacional de Portugal - ISBN 978-972-40-42 17-6., 2010.

JUBILUT, Liliana Lyra. FRINHANI, Fernanda de Magalhães Dias. LOPES, Rachel de Oliveira. Migrantes forçados: conceitos e contextos. Boa Vista: Editora da UFRR - ISBN 978-85-8288-161-3-, 2018.

MAZZUOLI, Valério de Oliveira. Curso de Direito Internacional Público. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

MEZZAROBA, Orides. MONTEIRO, Cláudia Servilha. Manual de Metodologia e Pesquisa em Direito São Paulo: Saraiva, 2009.

PORTELA, Paulo Henrique Gonçalves. Direito internacional Público e Privado. Salvador: JusPodivm, 2009.

ROCHA, Claudine Rodembusch. PADILHA, Ivonir. DIREITOS HUMANOS, MIGRANTES, REFUGIADOS E APÁTRIDAS: EVOLUÇÃO E CONCEITO HISTÓRICO, CONTRIBUIÇÃO E EFICÁCIA DOS TRATADOS INTERNACIONAIS NA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. Rio Grande do Sul: UNISC, 2016.

SALADINI, Ana Paula Sefrin. DIREITOS HUMANOS, CIDADANIA E O TRABALHADOR IMIGRANTE ILEGAL NO BRASIL. Salvador: UNIFACS, 2011.

VARELLA, Marcelo Dias. Direito internacional público. São Paulo: Saraiva, 2009.

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